terça-feira, 30 de março de 2010

I EREFIL-Sul - Chamada de trabalhos

REGRAS PARA ENVIO DOS TRABALHOS:
  1. Os trabalhos podem versar sobre:
a) Filosofia, Ensino de Filosofia e Educação;
b) Qualquer das demais outras áreas da Filosofia (Tema livre).
  1. Os trabalhos devem ser escritos em fonte Times New Roman, de 3 a 5 palavra-chaves, espaçamento 1,5, com até 1000 caracteres com espaçamento (parágrafo único).
  1. No cabeçalho deve constar o titulo do trabalho, nome e sobrenome do autor, a universidade a que é vinculado e o e-mail do autor, podendo conter até um co-autor.
  1. O prazo para a inscrição de trabalhos é até o dia 15 de maio de 2010. Os trabalhos devem ser enviados para erefilsul@gmail.com
  1. Os trabalhos serão submetidos à análise de mérito pela Comissão Científica, a quem compete emitir sugestões aos autores.
  1. A confirmação de aceite do trabalho será emitida pela Comissão Científica em até 15 dias úteis, contados a partir do recebimento do trabalho.
  1. A listagem completa e definitiva dos trabalhos e a divisão das apresentações em temas e salas serão divulgadas até o dia 30 de maio de 2009.
  1. É permitida a apresentação de apenas um trabalho por autor.

Fonte: http://erefilsul.blogspot.com/p/trabalhos.html

quarta-feira, 24 de março de 2010

I EREFIL-Sul em junho, preparem-se!

Por Arthur Bispo de Oliveira*

Praticamente um ano e meio após iniciarmos um contato efetivo entre os estudantes de Filosofia do sul do país através da reunião dos CAs e DAs de Filosofia na UFSM e tomarmos consciência das dificuldades comuns que muitos cursos enfrentam e a importância de mantermos esse contato através do Movimento Estudantil de Filosofia - Sul (MEFIL-SUL) e da Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia (ABEF). Enfim, uma das principais propostas lá apontadas, a de reunir em um encontro inédito os estudantes do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, irá em frente em 2010 com a realização do I Encontro Regional dos Estudantes de Filosofia – Sul com o tema da formação do professor de filosofia.

Para quem ainda não conhece a proposta, o EREFIL-SUL será uma evento estritamente de estudantes e de caráter acadêmico, político e cultural, ou seja, haverá espaço para mesas e apresentações de trabalhos, para discussões e também para atividades culturais. Transcorrerá nos dias 4, 5 e 6 de junho em Passo Fundo/RS com um tema voltado para os licenciandos em filosofia e os problemas que enfrentamos mesmo com a obrigatoriedade da disciplina no ensino médio vigorar integralmente a partir desse ano.

Em poucos dias o blogue do EREFIL-Sul estará no ar e todos os detalhes do evento estarão disponíveis bem como a abertura das inscrições. Esperamos até lá poder baratear ao máximo os valores de inscrição para facilitar a vinda de mais estudantes. Mesmo assim, sabemos que por mais que o encontro tenha como objetivo atingir todos os estudantes de Filosofia do sul, alguns não poderão participar, outros talvez nem se interessem, mas depositamos nossa confiança naqueles que não se omitirão nesse momento inédito do Movimento Estudantil de Filosofia e ise for lhes for possível irão estar aqui em Passo Fundo para ajudar a construir a nossa organização.

Aos integrantes dos Centros e Diretórios Acadêmicos de Filosofia do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, contamos com o esforço de vocês para que as informações do EREFIL-Sul cheguem a todos os cursos e turmas da região sul e, também, que estejam representados aqui nos dias do evento. Além disso, sabemos que o custo maior para a vinda dos estudantes deverá ser com o transporte e o CA/DA tem a articulação necessária para levantar fundos para subsidiar a viagem seja pela própria entidade, pelo seu DCE ou pela respectiva instituição de ensino. Com certeza isso será um grande incentivo da entidade à participação dos estudantes.

Aos colegas de filosofia em geral, consideramos o MEFIL-Sul um coletivo aberto aqueles que se interessam pelas questões que nos afetam e querem se organizar para agir em conjunto. Por isso, não deixem a responsabilidade de resolver os problemas que o atingem apenas com alguns se vocês podem se somar aos seus representantes de igual para igual e ganharmos força. E se tudo isso não fizer sentido ainda, participem do EREFIL-Sul e tirem suas conclusões a partir dessa experiência ímpar.

* Secretário de Articulação Política do DAALL/UPF e integrante da Comissão Organizadora do I EREFIL-Sul

quarta-feira, 17 de março de 2010

A filosofia é obrigatória, mas isto é pouco!

Por Celso João Carminati*

Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), boa parte da formação escolar brasileira, foi direcionada para a profissionalização. Com este intuito, e tendo como pressuposto a formação aligeirada para o mercado de trabalho, disciplinas humanísticas foram excluídas do currículo de ensino médio.

Assim, boa parte da juventude, ao menos aquela que tinha acesso aos bancos escolares, perdeu parte significativa de sua formação, submetendo-se aos modelos de formação apressados impostos às escolas pela reforma educacional nº 5.692, de 1971.

A reação de professores, alunos e intelectuais em geral a esta realidade foi imediata. Em meados da década de 1970, no Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas – SEAF. Rapidamente esta entidade agregou professores de outras áreas, e se tornou um importante espaço de encontro, discussão e preparação de textos e publicações para dar fôlego às investidas dos militares contra a liberdade de expressão, sobretudo de cátedra. Lembro que alguns professores universitários de filosofia mais críticos foram aposentados compulsoriamente, outros foram vigiados em suas atividades de ensino e pesquisa.

Com o arrefecimento da ditadura, e a abertura política lenta e gradual, após a aprovação da anistia, supostamente ampla e irrestrita, o debate em torno das conseqüências da profissionalização avançou e culminou com mudanças na lei nº 7.044 de 1982, que alterou dispositivos referentes à profissionalização e permitiu a presença de Filosofia no currículo enquanto disciplina optativa.

A presença da Filosofia no ensino médio foi pouco alterada, pois algumas escolas a re-introduziram nos currículos, e apenas alguns Estados se dispunham a legislar sobre o assunto.

Com a redemocratização e um inevitável esvaziamento dos espaços de lutas dos professores, o movimento pelo retorno da filosofia só conseguiu se rearticular na segunda metade dos anos de 1990.

Algumas iniciativas, como a do Estado de Santa Catarina, a tornou obrigatória no currículo no ano de 1998. Ainda assim, ocorreram outras iniciativas sem sucesso na Câmara dos Deputados, mas sua obrigatoriedade só se tornou lei, a de nº 11.684/2008 em 02 de junho de 2008, quando foi sancionada pelo Vice-Presidente da República. Isto foi possível devido a alteração do artigo 36 da LDB nº 9.394/1996. A lei estabelece no seu inciso IV: ”serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”.

Depois de 37 anos ausentes dos currículos de ensino médio, a filosofia volta a ser obrigatória nas escolas brasileiras. Isto, porém, não é suficiente, pois um texto de lei não garante que a filosofia de fato volte a ser parte obrigatória dos currículos, pois se sabe que o currículo é um campo em disputa e que a presença de novas disciplinas significa a redução de carga horária de outras já existentes. Mesmo assim, os sistemas de ensino terão um prazo de um ano para se ajustarem a nova realidade e apresentarem a filosofia como parte obrigatória do ensino médio.

Mesmo com essas dificuldades encontradas, sobretudo, por se tratar de uma lei que poucas pessoas estarão vigilantes para saber se a mesma foi cumprida ou não, temos ai um importante instrumento de formação mais crítica para os estudantes do ensino médio.

* Professor na UDESC e autor do livro: “Professores de Filosofia: Crise e Perspectiva”. (Editora UNIVALI, 2006).

segunda-feira, 8 de março de 2010

As mulheres e a filosofia como ciência do esquecimento

Marcia Tiburi

Falar em história das mulheres é algo um tanto novo no meio acadêmico brasileiro, mas a questão, aos poucos, vem tomando corpo e invadindo espaços variados de investigação. Maior novidade ainda é falar nos temas "mulheres", "gênero" e "feminino" como conceitos, o que remete ao campo próprio da filosofia. O significado desses termos tem plena atualidade filosófica e crítica. Em primeiro lugar, as mulheres são um tema ou mesmo um tópos de uma história da filosofia escrita por homens. É raro encontrar um filósofo que não tenha se ocupado da questão sempre tratada na intenção da delimitação do lugar do humano em sua relação com as mulheres. Enquanto tema, e em segundo lugar, elas são um assunto que entrelaça motivos políticos, estéticos e metafísicos. É nesse território que aparece o conceito do feminino. Os filósofos homens tentaram construir uma geografia onde situar o feminino que, como símbolo, é o locus específico eleito para as mulheres, para definir sua natureza e ditar-lhes uma lei, uma inscrição no universo previamente tecido da tradição. Gênero é o termo usado há algumas décadas para falar dessa produção de identidade segundo a cultura, a sociedade e os mecanismo de poder nela envolvidos. Gênero, portanto, para o feminismo, é um conceito crítico. Do mesmo modo, os outros dois conceitos devem ser vistos de modo crítico, considerando o aspecto retórico, a função e o uso que tentam fazer valer a verdade histórica contida na palavra.

O feminismo filosófico surge diante dessas questões. Um de seus aspectos fundamentais - que poderá qualificar o feminismo em filosofia em relação aos movimentos feministas de teor eminentemente prático - é a questão da relação entre teoria e prática, do conhecimento e da ação, que fundam o sentido do que chamamos, ainda hoje, de filosofia. O feminismo ajuda a questionar o discurso filosófico em seus pressupostos fundamentais e mesmo arcaicos, tendo a filosofia como uma teoria da ação. É preciso ter em vista que a atualidade das questões políticas que envolvem as mulheres em tantos setores da atividade humana (problema sério em países inteiros) não pode ser compreendida sem atenção aos aspectos de fundo, ao espaço da fundamentação metafísica/ética/estética, que pode orientar para a recuperação da vocação prática da filosofia. A questão feminina é atual e dispõe-se na urgência da produção da solidariedade com o passado, o presente e o futuro da humanidade. As mulheres compõem a história violentada sob o decreto da exclusão da mulher; do mesmo modo, a história da filosofia que, como qualificação do pensamento e da razão, determina os conceitos fundamentais que estão na base da estrutura da sociedade, participa dessa violência. O feminismo filosófico, lembremos, em sua exposição especial com Mary Wollstonecraft, no século XVIII, era a defesa do bom senso da humanidade. Portanto, uma causa voltada para a construção de uma sociedade para todos, não apenas de homens, nem apenas de mulheres. O feminismo filosófico vem levantar essa questão que é ainda atual e que diz respeito à fundação de uma sociedade justa em que a violência e a dominação sejam expostas em seus elementos constitutivos.

A definição filosófica do feminismo, todavia, é tão complexa quanto a história da filosofia. É preciso uma definição apropriada do que se entende por essa história para que o conceito do feminismo e os movimentos que ele permite possam ter validade filosófica. Enquanto história, a filosofia constitui-se como tradição e cânone do qual as mulheres não participaram de modo relevante. O feminismo filosófico é a teoria que procura investigar a fundamentação dessa falta. É um modo de teorização que surge com a já citada Wollstonecraft, em seus Escritos Políticos, nos quais critica o sexismo dos filósofos homens (de Rousseau ao seu contemporâneo Burke), e que evolui até o século XX, com filósofas como Simone de Beauvoir em seu O Segundo Sexo, alertando para os direitos das mulheres na base de uma reivindicação a ser e a pensar, à vida pública e ao universo do discurso e do poder. De meados do século XX até hoje, o feminismo cresce como filosofia que tenta rever o posicionamento da mulher diante da estrutura social e da produção do conhecimento. Se as mulheres constróem um lugar de filósofas no século XX, é porque participaram de uma revolução real que altera as micro e macro estruturas da sociedade ao confirmarem sua presença. Esse é o avanço do feminismo para a filosofia: produzir a entrada das mulheres na cena ontológica - o poder ser - que redunda na cada vez mais crescente cena política e pública consituindo as mulheres como cidadãs, ou seja, seres que participam da constituição política como participantes - que não seja uma mera tautologia dizer - da "pólis".

A ausência histórica das mulheres da filosofia pode ser explicada de muitos modos. O primeiro motivo a ser levantado é, portanto, o silêncio feminino facilmente observável na um tanto escassa produção de livros e textos. As mulheres filósofas são poucas e de produção quase rara relativamente aos homens. É claro que falo aqui em termos quantitativos. Não é possível dizer que as mulheres escreveram muito para acobertar uma acusação de inferioridade intelectual - argumento que, mesmo comum, não encontraria sustentação -, nem é possível dizer, entretanto, que não escrevessem ou participassem da fundação da tradição da filosofia. É preciso enfrentar a questão do silenciamento. Apenas a desmontagem desse processo histórico, por meio de uma genealogia que procura verificar seus elementos originários sempre presentes e renascentes na atualidade, permitirá compreender, pela via negativa, a verdade oculta na produção do silêncio imposto. As mulheres, é certo, participaram da filosofia, mas pela porta dos fundos, assim como de todos os setores da vida produtiva e ativa das sociedades. A improdutividade das mulheres - que não se esqueça - não pode ser avaliada sem a procura por aspectos que tocam na fundamentação dos movimentos da história. A alegação de que as mulheres tenham sido, ao longo do tempo, seres do silêncio por sua própria natureza ou que, na divisão do trabalho, tenham ficado com as tarefas do corpo, da procriação, da casa, da agricultura, da domesticação dos animais, por questões sempre naturais, perde sua validade. A produção do ideal da "natureza feminina", assim como de uma "natureza do homem" ou mesmo uma "natureza humana" serve à delimitação do humano segundo a utilidade necessária à constituição e ao interesse do poder e seus guardiões. Os filósofos sempre tocaram com essa questão na produção do humano por meio de sua definição. As mulheres sempre representaram mais do que a cultura excluída da cultura, ou da cena dos meios de produção e do conhecimento: as mulheres representam a humanidade excluída da humanidade.

O segundo motivo da ausência é, pois, a construção de um ideal feminino que mascara o recalque do corpo, da natureza, da vida nua - na expressão de Walter Benjamin - da qual coube às mulheres serem os estranhos porta-vozes: toda fala das mulheres, a partir desse pressuposto, precisa ser compreendida sob o signo do silêncio que a revela. Se o silêncio apareceu na história como um atributo feminino, que constituía parte do suposto mistério constitutivo da mulher - e mesmo do feminino enquanto ideal - é preciso rever seu lugar e pensar a construção do lugar do silêncio no qual as mulheres foram trancadas, assim como o foram em casas, escolas, conventos e manicômios para histéricas. O silenciamento das mulheres ocorreu em momentos específicos da história e concomitante a um processo que teve vítimas em setores variados. O silenciamento teve seu modo pérfido, quando mulheres foram levadas à fogueira, e teve seu modo cínico: as mulheres foram transformadas no "belo sexo" produzido pela cultura com o apoio da filosofia e das artes. A produção do ideal do belo sexo, a propósito, é uma marca da modernidade: sua função sempre foi a de afastar as mulheres do conhecimento e da política, mais do que protegê-las da imagem do mal com que foram desenhadas.

A história da filosofia, em qualquer de seus tempos, é marcada pelo horror dos filósofos homens às mulheres que, dedicando-se ao saber, almejam a filosofia: nada melhor do que domesticá-las pela sensibilidade, dominá-las pela própria imagem. Sócrates - esse filho de parteira - sabia de seu poder e de sua ameaça (a ameaça política que implica a defesa de direitos) e, por isso, copia-lhes, num gesto de curiosa inveja, o procedimento corporal do parto elevando-o a método: a maiêutica é o parto das idéias que cabe aos homens, enquanto às mulheres cabe o parto do corpo. Essa superação revela-se, após uma longa história de argumentos, como um mecanismo suspeito.

As mulheres produziram conhecimento ao longo da história filosófica, mas com a marca do silêncio ou pela via negativa. Desde a famosa Aspásia, mulher de Péricles e professora de retórica contra a qual se insurge Platão no século IV, até a Sra. Dacier, conhecedora de grego, contra qual se insurge Kant (em pleno século das Luzes!!!), não faltarão à história exemplos de horror às mulheres. Alguém mais sutil, como o afamado Rousseau, tratará a mulher como uma jóia (como Sofia) que deverá valer a honra e ser a sustentação moral e emocional de seu marido (Emílio). Rousseau é um dos exemplos da misoginia que afeta, sorrateiramente, a construção do gênero feminino, lançando-o ao lugar da "boa" e "bela" moça e companheira, modo eufemista de sustentar a inferioridade do sexo feminino. A argumentação pela inferioridade da mulher era lugar-comum na proto-ciência da filosofia de Aristóteles e nos séculos da modernidade tardou a revolucionar-se segundo as normas da universalização dos direitos que ela trazia como bandeira.

Apesar disso, a modernidade é um tempo de antagonismos. Descartes, por exemplo, trocará cartas importantes com a Princesa Elisabeth e inspirará a filosofia feminista de Poulain de La Barre, assim como Leibniz e Locke trocarão correspondências com filósofas como Damaris Cudworth e Catharina Cockburn. A modernidade, aos poucos se divide entre os que criticam e os que defendem as mulheres. No século XIX, sob auspícios do feminismo crescente, Stuart Mill defenderá com ardor os direitos das mulheres como outros filósofos que não encontram fundamentos para a exclusão e o impedimento da cidadania e da liberdade de ação e expressão para as mulheres. No século XIX, mantida a tensão moderna, muitos filósofos - como Nietzsche e os românticos - ocupam-se das mulheres de modo ambíguo: para muitos, ela permanece como a irrefletida figura de uma natureza indomável e misteriosa. No mesmo tempo, em muitos países da Europa o feminismo, como reivindicação pública de direitos, cresce - mesmo no Brasil, Nísia Floresta (que troca correspondências com Augusto Comte, o que mostra mais uma tentativa de trocar idéias, de produzir diálogo por meio da carta) torna-se uma figura importante por seus livros cheios de idéias revolucionárias para as mulheres - e mulheres tornam-se filósofas sem mesmo precisarem entrar na questão feminista, como é o caso de Hannah Arendt. São novos tempos que resultam de um longo processo histórico de escravização passada que provam que o feminismo teve e tem ainda sentido.

A história das mulheres na filosofia contribui para a escrita de uma história do silêncio, uma história do recalque, mais do que do esquecimento. Não basta - para fazer justiça ao passado - fazer uma lista dos nomes que constituíram essa história como se pudéssemos, por um artifício de arquivo, dar sentido à memória e resgatar ou enterrar simbolicamente nossas mortas e injustiçadas. A produção do futuro, sua invenção, depende dos gestos de retomada, resgate, salvação, do presente. A ação reflexiva - declarada no feminismo - precisa atingir a todos os envolvidos com a espécie humana.

Marcia Tiburi é professora da pós-graduação da Filosofia na Unisinos e Unilasalle.

Leia também o Blogue do Coletivo de Mulheres da UFRGS.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Um bom estudante não milita no Movimento Estudantil.

Uma breve reflexão sobre militância política e vida acadêmica.

Saulo Eduardo Ribeiro*

Há no imaginário de alguns acadêmicos, em especial na Filosofia, a ideia de que um ‘bom estudante’ não se envolve em política e, portanto, não participa do Movimento Estudantil (ME), pois é atividade de estudante relapso. Essa ideia encontra algum respaldo na realidade porque sim, há estudantes/militantes ou, especificamente, “estudantes profissionais” que se dedicam mais à militância do que aos estudos. Apesar disso, cabe algumas considerações, e me esforçarei em fazê-las ao estilo preconizado por alguns dos nossos colegas, arautos da boa filosofia, já que é a eles que destino esta breve e superficial reflexão.

Bem. Como eu ia dizendo, há aqueles estudantes que entram na universidade para dedicar-se quase que exclusivamente a militância, utilizando algumas vezes as entidades estudantis como trampolim político-eleitoral, extrapolando o campo de ação do ME. Em contrapartida, há também aqueles que utilizam as mesmas entidades como trampolim acadêmico, e através de um discurso que menospreza a militância político-social, reduzem o ME a uma militância acadêmica individualista de adesismo acrítico aos interesses e pressões de parte do corpo docente. Claro, há também o militante patoteiro, mas esse é um outro caso.

Depois dessa quase-inflexão, voltemos ao que interessa. A militância acadêmica acusa os estudantes/militantes sociais, aqueles que concebem o ME como um movimento social e não somente acadêmico, de serem relapsos. No entanto, por óbvio, nem todo estudante relapso milita no movimento estudantil, e nem todo estudante que milita no movimento estudantil é relapso. Mesmo assim, nossos amigos, militantes, poderiam levantar objeções acerca do valor de verdade das premissas, mas creio ser mais fácil provar a veracidade das mesmas, do que provar sua falsidade. Bastaria apontar ao menos um caso de estudante não-militante relapso e um caso de estudante militante não-relapso. Ao contrário, para provar que as mesmas (mas em especial a segunda) são falsas, seria necessário provar, caso por caso, que todo estudante relapso milita no ME e que, consequentemente, todo estudante militante é relapso. Supondo que haja acordo de que a primeira seja verdadeira, consiga refutar pelo menos a segunda. Obviamente que, provando a veracidade da premissa a partir de um único exemplo de estudante militante não relapso, não seria uma maneira eficiente de convencer alguém em mudar de ideia a respeito dessa questão.

Mas ainda sobre isso, poder-se-ia objetar que pelo fato de não se poder provar (pelo menos facilmente) a falsidade dessas premissas, não se pode inferir que as mesmas sejam verdadeiras. Tal argumento teria alguma validade caso não se pudesse, igualmente, provar a veracidade das premissas. Entretanto, não é difícil, caso me perguntem, lembrar rapidamente do nome de pelo menos dez pessoas que conheci pessoalmente que militaram no ME e hoje estão fazendo mestrado, doutorado ou são professores/ pesquisadores universitários.

Ainda, poder-se-ia objetar afirmando que há mestrandos, doutorandos ou pesquisadores relapsos e que, portanto, estes poderiam muito bem se encaixar nessa classificação. No entanto, mesmo que tal afirmação seja verdadeira, o que não é o caso, aqueles que se referem a estes estudantes militantes como relapsos, crêem que os mesmos assim como são incapazes de levar bem seus estudos na graduação, também o são em seguir uma carreira acadêmica.

Outra objeção possível, que deriva da anterior, é a de que o fato de alguém conseguir ou não entrar para a pós-graduação ou ser professor/ pesquisador não é razão suficiente ou um bom critério para afirmar que, por isso, um estudante é ou não é relapso, pois muitos estudantes dedicados, por questões pessoais resolvem não seguir uma carreira acadêmica. Concordo com tal objeção, mas a crítica que aqui se inscreve, está voltada ao imaginário de quem acredita que todo estudante que se preze segue na carreira acadêmica, e o que não é trabalho acadêmico é trabalho para “soldado raso”.

Por fim, para levar a cabo essa breve reflexão, na busca por um ponto pacífico para essa questão, recorro a uma máxima aristotélica que já virou uma espécie de clichê filosófico, e que aqui não é tomado em toda a sua globalidade, a saber, "o homem é por natureza um animal político". Nesse sentido, se não é possível falar em uma relação conjugal entre militância político-social e vida acadêmica, poderíamos pensar em uma ‘militância acadêmica’, que se expressa nas disputas por verbas e bolsas para pesquisa, que se realiza nos gabinetes de projeto, nas salas de aula quando o professor procura convencer os seus alunos da imparcialidade e neutralidade da sua atividade acadêmica, e nos corredores das nossas universidades, onde se desenrola todo tipo de bate-papo amigável, em que a impessoalidade de uns favorece a pessoalidade de outros.

* Graduado em Filosofia – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), militou no movimento secundarista e integrou por dois anos (2006/08) a direção do Diretório Acadêmico da Filosofia, participando também do Diretório Central dos Estudantes pela Gestão Viração 2008/09. Apesar da pretensão em se pós-graduar, ainda pretende exercer funções de “soldado raso” (professor) em alguma escola pública do país.