quarta-feira, 17 de março de 2010

A filosofia é obrigatória, mas isto é pouco!

Por Celso João Carminati*

Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), boa parte da formação escolar brasileira, foi direcionada para a profissionalização. Com este intuito, e tendo como pressuposto a formação aligeirada para o mercado de trabalho, disciplinas humanísticas foram excluídas do currículo de ensino médio.

Assim, boa parte da juventude, ao menos aquela que tinha acesso aos bancos escolares, perdeu parte significativa de sua formação, submetendo-se aos modelos de formação apressados impostos às escolas pela reforma educacional nº 5.692, de 1971.

A reação de professores, alunos e intelectuais em geral a esta realidade foi imediata. Em meados da década de 1970, no Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas – SEAF. Rapidamente esta entidade agregou professores de outras áreas, e se tornou um importante espaço de encontro, discussão e preparação de textos e publicações para dar fôlego às investidas dos militares contra a liberdade de expressão, sobretudo de cátedra. Lembro que alguns professores universitários de filosofia mais críticos foram aposentados compulsoriamente, outros foram vigiados em suas atividades de ensino e pesquisa.

Com o arrefecimento da ditadura, e a abertura política lenta e gradual, após a aprovação da anistia, supostamente ampla e irrestrita, o debate em torno das conseqüências da profissionalização avançou e culminou com mudanças na lei nº 7.044 de 1982, que alterou dispositivos referentes à profissionalização e permitiu a presença de Filosofia no currículo enquanto disciplina optativa.

A presença da Filosofia no ensino médio foi pouco alterada, pois algumas escolas a re-introduziram nos currículos, e apenas alguns Estados se dispunham a legislar sobre o assunto.

Com a redemocratização e um inevitável esvaziamento dos espaços de lutas dos professores, o movimento pelo retorno da filosofia só conseguiu se rearticular na segunda metade dos anos de 1990.

Algumas iniciativas, como a do Estado de Santa Catarina, a tornou obrigatória no currículo no ano de 1998. Ainda assim, ocorreram outras iniciativas sem sucesso na Câmara dos Deputados, mas sua obrigatoriedade só se tornou lei, a de nº 11.684/2008 em 02 de junho de 2008, quando foi sancionada pelo Vice-Presidente da República. Isto foi possível devido a alteração do artigo 36 da LDB nº 9.394/1996. A lei estabelece no seu inciso IV: ”serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”.

Depois de 37 anos ausentes dos currículos de ensino médio, a filosofia volta a ser obrigatória nas escolas brasileiras. Isto, porém, não é suficiente, pois um texto de lei não garante que a filosofia de fato volte a ser parte obrigatória dos currículos, pois se sabe que o currículo é um campo em disputa e que a presença de novas disciplinas significa a redução de carga horária de outras já existentes. Mesmo assim, os sistemas de ensino terão um prazo de um ano para se ajustarem a nova realidade e apresentarem a filosofia como parte obrigatória do ensino médio.

Mesmo com essas dificuldades encontradas, sobretudo, por se tratar de uma lei que poucas pessoas estarão vigilantes para saber se a mesma foi cumprida ou não, temos ai um importante instrumento de formação mais crítica para os estudantes do ensino médio.

* Professor na UDESC e autor do livro: “Professores de Filosofia: Crise e Perspectiva”. (Editora UNIVALI, 2006).

2 comentários:

  1. É um tanto óbvio que uma lei só se faz existir na medida em que ela é aplicada, visto que nossas leis, as dos homens, não são as mesmas que regem o restante da natureza. Ou seja, do fato de existir tal lei, não se pode inferir que as mesmas regem necessariamente a nossa vida social.

    No entanto, conversando com alguns colegas da Filosofia, percebi que há um certo "fetichismo" dos mesmos em relação a estas leis. Explico melhor.

    Depois de passados o prazo de um ano para a devida adequação curricular por parte das escolas, ainda há uma demanda imensa de professores de Filosofia. No entanto, essa demanda não se deve tão somente pela falta de professores de Filosofia, como o argumentava FHC quando este vetou a proposta por julgar que as condições materiais e humanas não estavam dadas para a aprovação da obrigatoriedade da filosofia.

    No entanto, pelo menos no Rio Grande do Sul, a falta de professores de filosofia nas escolas se deve muito mais ao descomprometimento do governo do que pela carência de profissionais na área. Se para FHC faltavam professores para tornar o Ensino de Filosofia obrigatório; agora, com a sua obrigatoriedade, no RS a Yeda não contrata os que existem. Por quê?

    A muito tempo não há concurso público para professores no Estado. Sendo assim, para dar um jeitinho na crescente falta de professores nas escolas, e para sanar as contas do Estado com a sacrosanta política do Déficit Zero (que só faz aumentar o déficit social), o atual governo tem fechado ou transferido mais de duas centenas de escolas para os municípios, e realizado milhares de contratos emergenciais para professores, sem plano de carreira ou qualquer outro direito históricamente conquistados pela categoria.

    Do ano passado para cá, foram realizadas diversas seleções, por diversas CRE’s, para um cadastro de reserva para contrato emergencial de professores. Até o momento, em Filosofia, somente em duas escolas houve chamada de professores. Houve cidades, como em Santa Maria, que mesmo se sabendo da falta de professores de filosofia na rede pública estadual, nem mesmo houveram seleção para o tal cadastro.

    ResponderExcluir
  2. CONTINUANDO...

    Aí entra a pergunta de meus colegas: “Mas como não há professores de filosofia, se agora a mesma se tornou obrigatória?”. E é aí que entra o fetichismo a que me referia anteriormente. Ora, a lei, por si mesma, não possui um poder mágico que se faz cumprir automaticamente a partir do momento de sua aprovação. Ela não existe por si, tão pouco possui uma vigência necessária. Ela passa a existir a partir do momento que há uma demanda social pela sua existência, e se faz cumprir com a fiscalização dos agentes que criaram essa demanda. Sem isso, a mesma cairá em desuso e, por fim, poderá deixar de existir no ordenamento jurídico.

    Mas a que se deve esse descomprometimento do atual governo para que o mesmo se sinta tão a vontade para descomprir a lei que torna o ensino de filosofia (com professores de filosofia) obrigatório? Simples. A falta de fiscalização e pressão social, que deveria começar a se dar pelos próprios profissionais da área, através da conscientização do restante da comunidade escolar e da sociedade com um todo, tem contribuído para que o Estado continue com a prática do “tapa-buraco”, ou seja, chamar um professor de uma área a fim para preencher as aulas de filosofia.

    No caso da filosofia, esta atitude ganha um tom mais dramático, principalmente pela falta de conhecimento de sua natureza pela imensa maioria da comunidade escolar. Ora, em um contexto em que faltam professores das mais diversas áreas, a filosofia não é prioridade. Se a filosofia ainda é concebida pelo senso-comum como um “viajar na maionese” ou, como diria um amigo, “viajar na ideia de maionese”, qualquer professor pode fazê-lo. No entanto, um professor de História não poderá enrolar seus alunos em uma aula de Química, pois a sua natureza já é bem conhecida pelos mesmos.

    Tendo isso em vista, e toda a política de saneamento financeiro do atual governo, é fácil entender o porque até o momento houve pouca contratação de professores de Filosofia. O mesmo não pode deixar as escolas completamente carentes de professores. Assim, contratam prioritariamente professores de disciplinas historicamente consolidadas; e quanto as disciplinas de Filosofia e Sociologia, vão contando com a desinformação popular e com o conformismo de alguns dos profissionais destas áreas.

    Por fim, cabe um reflexão. Serão todos os problemas da Filosofia passíveis de solução filosófica? Resolver-se-ão todos os seus problemas dentro de um gabinete?

    ResponderExcluir