segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ENEFIL 2012 NO SUL DO PAÍS

Por Arthur Bispo de Oliveira*
É fato, que os estudantes de filosofia da região sul têm demonstrado uma disposição para se organizar nos últimos anos. Desde a Reunião dos Centros e Diretórios Acadêmicos de Filosofia ocorrida na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 2008 e do Seminário de Formação Política realizado na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) em 2009, até a realização do I Encontro Regional dos Estudantes de Filosofia (EREFIL SUL) na Universidade de Passo Fundo em 2010. Vale destacar que no primeiro semestre de 2011 a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) será a sede da nossa segunda edição do EREFIL SUL. E, em todo esse período, a base do Movimento Estudantil de Filosofia do Sul sempre buscou a Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia, ou seja, nos articulamos de baixo para cima e tivemos um retorno.

O Encontro Nacional dos Estudantes de Filosofia (ENEFIL) se encontra na 27ª edição e, de principal espaço de deliberação da antiga Executiva Nacional dos Estudantes de Filosofia, hoje ela cumpre mais o papel de divulgar o que está sendo produzido no âmbito da graduação e ser uma das principais formas dos estudantes se apropriarem da discussão do Movimento Estudantil de Filosofia (MEFIL) e, também, da própria ABEF.

Os estados da região sul totalizam atualmente 40 cursos de filosofia, sendo: 11 em IES públicas (federais e estaduais), 17 particulares e 12 particulares confessionais. Vivenciamos situações diversas quanto à manutenção dos cursos na região, mas um problema comum à maioria deles é a falta de assistência estudantil para viagens a eventos em outros locais. Essa tem sido a razão da representação aquém do esperado da região nas últimas atividades da ABEF, como o XXV ENEFIL Belém/PA em 2009 e o XXVI ENEFIL Fortaleza/CE em 2010.

Diante disso, acredito que estejamos no momento de trazer o ENEFIL para o sul do Brasil e, com isso, melhor contribuir com o MEFIL a nível nacional. Além disso, poderemos acumular forças para em breve consolidarmos uma instância regional que atenda as nossas demandas locais e nacionais.

Mas, para tal, é fundamental que tenhamos um CA ou DA de alguma Instituição de Ensino Superior no sul que esteja disposta a ser a próxima sede do ENEFIL e que estejamos suficientemente representados no XXVII ENEFIL no Rio de Janeiro para apresentarmos uma proposta conjunta e viável na Plenária Nacional das Entidades de Base (PNEB).

* Estudante de Filosofia LP da Universidade de Passo Fundo/RS, Ex-presidente do Diretório Acadêmico América Latina Livre e atual Coordenador Nacional da Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia – Gestão 2010-2011 - ABEF é pra lutar!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Pode a universidade não ser emancipatória?

José Humberto de Góes Junior/Betinho*

Em meio a questões, tais como “o que se concebe como educação?”; o que se compreende por universidade?”; e, “o que é educação jurídica?”, é possível constituir um ponto de partida para observar que papel deve assumir a universidade frente aos problemas sociais. Para tanto, é preciso voltar a análise para o imaginário que se formou em torno da instituição universitária, a partir da visão moderna do século XVIII, fundado, por sua vez, em uma forma de pensar dicotômica, pretensamente neutra, porque puramente racional, como mecanismo de construção da universidade como centro exclusivo da produção do conhecimento verdadeiro, portanto, válido.

De outra forma, sendo o que se entende por “conhecimento” o que move a universidade na sua direção hegemônica, é também o que, paradoxalmente, incita no espaço universitário o surgimento de percepções novas sobre o ato de conhecer, sobre formatos contra-hegemônicos da relação da educação superior com a realidade social, bem assim com um propósito transformador, emancipatório.

Em sua visão tradicional, de uniformização, de padronização moral dos seres humanos, ainda que sob pretexto de constituição do “homem racional”, do “homem novo”, a educação superior tende a afastar as distintas possibilidades de conhecer e de interferir no mundo, estigmatizando-as como formas falsas de pensamento, como senso comum, como saber padecente de cientificidade, com efeito, passível de descarte.

É o que se dá, por exemplo, quando se colocam frente a frente os saberes indígenas e o saber universitário ou mesmo as distintas formas de comunicação humana do cotidiano e a gramática. Numa tentativa de desqualificar ou mesmo de acomodar as complexidades cognitivas em modos incapazes de lidar com as contingências do mundo da vida, o conhecimento indígena e a linguagem popular são exilados do debate epistemológico, anulando, por outro lado, qualquer possibilidade de serem avaliados como indicadores de formas de pensar distintas daquelas hegemonicamente postas, cujos pressupostos de validade são a certeza, a previsibilidade e a segurança, elementos que só se sustentam no campo dos conceitos abstratos e universalizados desde relações de poder localizadas que se globalizam e se impõem como conhecimento único, como saber de/para toda a humanidade.

Sob a perspectiva de uma visão crítica, a universidade, distinta, mas não necessariamente negativa daquilo que há de positivo nas conquistas paradigmáticas que, apesar de seus limites epistemológicos, o pensamento cartesiano-demonstrativo foi capaz de proporcionar, é preciso reconhecer o modo elitista de ser da universidade. E, para tanto, hão de se produzir reflexões importantes sobre a universidade nos seus mínimos detalhes. Sua linguagem, seu imaginário social, sua auto-imagem, seus modos de acesso e permanência para os estudantes, os seus modos de produzir ciência, e, entre outras coisas, o que se percebe por educar na universidade, precisam vir à tona para produzir a dúvida, para questionar esquemas referencias. É também um meio para que se apresentem os limites de uma forma de pensar e da educação que se produz a partir desse entendimento acerca do que significa pensar, do que é conhecer, para, por conseguinte, através de uma práxis criativa, produzir reflexões teóricas e práticas educacionais transformadoras.

Por trás de uma concepção de educação que se esboça em seu cotidiano de forma, muitas vezes, não-verbal e inconsciente, a universidade apresenta também sua intencionalidade política. Decerto, no seio de suas práticas institucionalizadas, inculcadas, introjetadas, cuja repetição se faz de forma maquinal, essa intencionalidade política se dissolve, dando a aparência de inexistente, de manifestação prática neutra oriunda de uma forma de pensar também axiológica e teleologicamente neutra, isto é, desideologizada, puramente racional. O pensar crítico, a seu turno, reconhece a intencionalidade política da universidade para avaliar o lugar social, cultural, histórico e político que precisa ser ocupado pela instituição educacional. Mas, para além disso, o pensamento crítico precisa fazer a ponte imediata do mundo universitário com a eticidade, de modo a tornar possível seu vínculo com um projeto de sociedade produzido desde as necessidades das classes exploradas e dos grupos sociais oprimidos.

E, apesar da angústia gerada com esse processo, não é no resultado que deve residir a preocupação da atividade crítica e criativa, não é para o final do processo que devem se direcionar os olhares das pensadoras e dos pensadores críticos, sob pena de cometerem erros metodológicos já vivenciados na trajetória tradicional de produção teórica. É na dinâmica do processo em si, capaz de gerar distintas possibilidades, que devem estar focados os pensadores críticos e focadas as pensadoras críticas.

Para tanto, é preciso fazer reverberar a capacidade emancipatória da universidade, a partir de uma perspectiva também libertadora de educação, cujo mote está na superação de todas as formas de opressão e desigualdades sociais para gerar justiça.

O que se pode entender por justiça, não é uma fórmula abstrata de compreender que vai indicar. É também a práxis de superação das vulnerabilidades à violação de direitos, de eliminação das diversas formas de opressão e desigualdade que vão formatando compreensões possíveis de justiça. Contudo, é preciso lembrar que, mesmo o que se entende por opressão e desigualdade, por libertação e emancipação, vão se alterando a partir da caminhada reivindicatória e das conquistas parciais que se fazem na sociedade, produzindo também alterações no que se compreende por justiça social. Como diria Lyra Filho, a justiça vai se atualizando na história e apontando os caminhos a serem seguidos com vistas a produzir mais justiça.

Neste sentido, não haveria sentido perguntar se “pode a universidade ser emancipatória?”. Ao contrário disso, seria necessário inverter a indagação de modo a não mais admitir a universidade como não-lugar da emancipação e reconhecer que toda educação é política (se faz a favor de alguém e contra alguém, como diria Paulo Freire) para ligá-la, de fato, ao propósito libertador. A pergunta, portanto, se refaz como horizonte ético-utópico constante e incansavelmente presente na práxis cognitiva: “pode a universidade não ser emancipatória?”

Em tempo, novas perguntas se erigem a partir desta, de modo que o pensamento em torno do viés emancipatório da universidade se aprofunde e não perca a sua capacidade dialético-renovadora, sendo que, de igual modo, são estas mesmas perguntas ensejadoras de outras, como se pode perceber a seguir:

1) O que significa ser a universidade emancipatória? – é promover inclusão, acessibilidade a determinados grupos sociais, é pensar a realidade, é pensar um modo de gestão compartilhada, é ter pesquisa socialmente referenciada?

2) Como se organiza o sistema de produção de conhecimento numa universidade emancipatória? – é como a ruptura com a positivação do conhecimento, como se pode dar essa ruptura?; é com a construção de outras estruturas de distribuição de poder, distinta daquela estabelecida por departamentos?

3) A universidade pode se assumir como elemento que vai além da produção de certificados para habilitação profissional? Como é possível compatibilizar a certificação, se é possível, como a liberdade de pesquisa e produção de conhecimento?

__________
* Membro do grupo de pesquisa “O direito achado na rua”, da Universidade de Brasília; advogado popular; mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba; professor licenciado do curso de Direito da Faculdade de Sergipe (FaSe).

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A ANPOF progrediu na sua concepção de filosofia?

O XIV Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa (ANPOF) ocorreu em Águas de Lindóia, tendo terminado dia 8 de outubro. O que mudou? Em termos estruturais, pouca coisa. Os vícios da filosofia no Brasil continuaram presentes e, da parte da direção da entidade, nada se fez para que eles fossem diminuídos. Um deles, talvez o principal, é o referente à incapacidade crescente dos filósofos de conseguirem, mesmo entre seus pares (!), levar adiante “Sessões de Comunicações” que comuniquem algo além da notória falta de comunicação.

Os trabalhos dos GTs são amontoados todos, não dando tempo das pessoas irem para comunicações que não sejam as do seu GT. Mas, isso pouco importa, pois está subjacente à mentalidade dos membros da ANPOF que cada um só vai ouvir a comunicação do outro se esta interessa ao seu trabalhinho de mestrado ou doutorado, que está sendo desenvolvido ou irá se desenvolver. No passado, nós filósofos fazíamos chistes com os médicos, dizendo que eles estavam caminhando para a criação do “especialista da unha do dedão do pé esquerdo”. Hoje em dia, são os médicos que podem assim falar de nós filósofos. Uma boa parte de nossos trabalhos se tornou incomunicável, não por uma saudável especialidade, mas por falta de tirocínio no sentido de tornar o que é específico possível de ser integrado na conversação de quem tem uma formação semelhante.

A ANPOF não tem preocupação de fazer nascerem filósofos. Nem professores de filosofia. O interesse é criar a fórceps o “pesquisador em filosofia”. O pesquisador em filosofia? Sim! Neste modo e estilo: alguém incapaz de colocar sua pesquisa na discussão maior da filosofia. Esses esquisitos “pesquisadores” se reúnem, então, como as crianças pré-escolares brincando, ou seja, no célebre monólogo coletivo – eis aí a ANPOF. As exceções, nesse caso, ajudam a confirmação da regra, como de praxe.

No GT-Pragmatismo e Filosofia Americana tentamos romper com isso. Ampliamos o tempo de fala de cada um e forçamos que o debate aconteça de modo amplo, esperando que cada um que fez sua comunicação possa, no debate, integrá-la no conjunto maior da história da filosofia e no contexto dos problemas mais gerais da filosofia e das humanidades. Forçamos a conversação. Não é fácil, mas não paramos de tentar. É que nossa concepção de filosofia está na contramão do que parece ser um esdrúxulo consenso anpofiano. A noção de filosofia que a cúpula da ANPOF e seus mentores parece defender é a que levou Mafalda a identificar o “Deus da Telepatia”. Veja o quadro abaixo:

O autor da Mafalda, Quino, que eu saiba não viu nenhum Encontro da ANPOF. Mas é como se tivesse assistido todos. Há alguns departamentos de filosofia, em universidades, que realmente colocam não Sócrates ou Platão como suas imagens emblemáticas. Nem mesmo a coruja de Athena que, enfim, voa e, por isso, amplia horizontes. Usam o Pensador de Rodin. Alguns até usam outra coisa, mas, pelo que fazem, deveriam usar o Pensador de Rodin. A idéia que fazem da filosofia não é a dos filósofos autênticos, da filosofia como ela nasceu, do debate público e da investigação que só pode se realizar por meio de atividades como, por exemplo, o elenkhós de Sócrates, ou seja, a investigação em conjunto, coletiva. Ou seja, é como se tais professores nunca tivessem lido Platão. Eles não notaram que Platão escreveu diálogos! Eles não perceberam que a investigação de Platão se dá na comunicação. Não conseguiram ver que, mesmo para escrever, Platão não fez outra coisa senão colocar a palavra em trânsito, deixando-a mudar de significado como ela realmente muda no diálogo vivo – o de Sócrates. A mentalidade anpofiana fala em “encontro” e “comunicações”, mas ela trabalha na base da telepatia. O Pensador de Rodin, como visto por Mafalda, é o símbolo máximo do entendimento anpofiano de pesquisa em filosofia. E pior: talvez esse seja o entendimento, mesmo, do que seja um filósofo, para a cúpula da ANPOF e seus mentores.

Uma pessoa solitária, que pensa sozinha, fala o que outros não entendem e que fingem que entendem – eis o “filósofo” anpofiano. Ora, quem pensa sozinho não pensa absolutamente nada. Aliás, essa idéia de filosofia como o “cultivo do pensar” é outra coisa esquisita que, na denúncia da Mafalda, é antes a telepatia que qualquer coisa realmente chamada de “pensar”. O anpofiano típico leu Kant e imaginou que “pensar pela própria razão” e ser autônomo era pensar solitariamente. Mas, de fato, esse anpofiano não pensa sozinho. Na verdade, como ele sempre apresenta aos outros antes o seu orientador que o seu próprio trabalho, a sensação que temos é que, de fato, ele imagina que nada é feito pela sua própria razão, e que vale mais, mesmo, o juízo de autoridade. O cultivo do pensamento solitário se transforma, enfim, na subserviência ao orientador que, por sua vez, é a subserviência aos que lhe dão bolsas e notinhas para o seu programa de mestrado ou doutorado, nos órgãos de fomento à pesquisa. Triste caminho da filosofia no Brasil.

© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

V CONGRESSO DA ABEF ELEGE NOVA COORDENAÇÃO NACIONAL

A ABEF (Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia) é a entidade representativa dos estudantes de filosofia em nível de graduação do Brasil, e tem como fim articular o movimento estudantil de filosofia, congregando os estudantes em torno das discussões e ações sobre a intervenção filosófica para transformação social, bem como discutir a filosofia no campo do ensino, pesquisa e extensão universitária, questionando o papel da universidade nessa transformação.

Foi realizado, de 17 a 25 de julho de 2010, o V Congresso da ABEF, instância máxima de deliberação, que ocorre anualmente, preferencialmente no mês de julho, onde os estudantes se reuniram para discutir as questões concernentes aos fins e objetivos da entidade, atualizar a plataforma política, aprovar moções e eleger a Coordenação Nacional e Conselho Fiscal.

Estiveram presentes durante o V Congresso da ABEF estudantes das seguintes universidades: IPA/RS; UPF/RS; UFSC/SC; UFPR/PR; UFF/RJ; UERJ/RJ; UFRJ/RJ; UFRRJ/RJ; UNIFESP/SP; ISTA/MG; UFU/MG; UCB/DF; UFT/TO; UCSAL/BA; UECE/CE; UFC/CE; UFRN/RN e UFMA/MA.

Após as principais atividades da programação voltada à temática, onde a crítica ao excesso de idealismo nos cursos de filosofia do país perpassou a fala de praticamente todos os convidados, passamos aos espaços de decisão do futuro da ABEF.

A eleição da nova Coordenação Nacional por parte da Assembleia Geral foi realizada por aclamação, tendo na sua composição os seguintes estudantes:
· Anderson (UFT/TO)
· Arthur (UPF/RS)
· Glay (UFU/MG)
· Hudson (UFT/TO)
· Jaque (UFU/MG)
· Noemi (UCSAL/BA)
· Pitty (UFU/MG)

Durante o Congresso ocorreu também o debate e a atualização da Plataforma Política e do Plano Nacional de Formação. Ambos são documentos de grande importância política, pois estes tem o sentido de mostrar o caráter da entidade e garantir que as lutas locais perpassam o que a própria associação reivindica, através da construção coletiva, assim, estaremos contribuindo para transformar o próprio estudo da filosofia, hoje profundamente técnico e acadêmico, na perspectiva de fazer da filosofia um instrumento de exercício de critica social, capaz de desmascarar os discursos que velam a realidade para justificar as opressões sociais e a ordem estabelecida. Tais documentos serão disponibilizados em breve.

Saudações estudantis!

Coordenação Nacional
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ESTUDANTES DE FILOSOFIA
Gestão 2010/2011 - ABEF é pra lutar

Autonomia universitária ou colonialidade do saber?




No último mês, o governo federal publicou um pacote normativo que diz respeito a uma suposta "autonomia universitária". No entanto, o pacotão é formado por, pelo menos, uma medida provisória e três decretos presidenciais. Isto significa que não houve discussão substancial - pública e com a maioria dos atingidos - acerca de tão importante temática que afeta a todos os estudantes, professores e trabalhadores da educação, em geral, sendo que sua juridicidade vem à luma através dos instrumentos mais duvidosos da democracia liberal.

Logo após a divulgação do pacote normativo, alguns intelectuais vêm se pronunciando sobre ele, com destaque para a entrevista do professor da UFRJ Roberto Leher ao jornal Correio da Cidadania, intitulada "Governo avança no modelo de universidade subordinado ao Banco Mundial".

Segundo Leher, o conjunto de medidas governamentais põe sobre bases mais que concretas a necessidade da "crítica à colonialidade do saber", como se apresenta a temática tão em voga no pensamento crítico latino-americano e periférico. E isto significa que a propalada "autonomia universitária" não passa de um embuste que tem "uma nervura central: a associação entre a autonomia, as fundações privadas ditas de apoio e os objetivos da Lei de Inovação Tecnológica".

Em termos técnico-jurídicos, não seria difícil retirar dos argumentos de Leher a visualização de um vício de constitucionalidade no pacote, pois segundo suas próprias palavras "o Decreto pretende institucionalizar a busca de receitas próprias e, nesse sentido, deturpa o sentido da autonomia constitucional que determina a 'autonomia de gestão financeira' e não a autonomia financeira das universidades". Di-lo em referência ao decreto n. 7.233/2010, o qual "dispõe sobre procedimentos orçamentários e financeiros relacionados à autonomia universitária". Este é um dos atos normativos que envolve referido pacote e é uma espécie de complemento do carro-chefe dele, a medida provisória (MP) 495/2010.

Nesta MP, destaca-se o incentivo à busca por recursos a partir de fundações privadas, o que, segundo o professor da UFRJ, "institucionaliza as fundações privadas como loci da 'gestão administrativa e financeira' dessas parcerias", ou seja, das parcerias público-privadas (PPP). Logo, aparece a alarmante conclusão: "com a MP, as fundações de apoio podem se tornar o centro de gravidade de toda política de pesquisa da universidade, desde que mediadas por contratos de PPP".

O problema maior deste quadro conjuntural - mais que o técnico-jurídico - é a percepção que traz a todos os que estão preocupados com a autodeterminação dos povos, em um contexto de capitalismo dependente. Quer dizer, "o aprofundamento da condição capitalista dependente do bloco de poder requer a destruição das bases para um projeto nacional e popular. A prioridade do atual bloco de poder, bloco gerenciado pelo governo Lula da Silva, é disputar espaços na economia mundial a partir do aprofundamento do imperialismo. Isso significa mais dependência e uma maior interconexão com as corporações multinacionais". Assim, aprofunda-se a depedência brasileira com relação ao capitalismo desenvolvido, consolida-se o subimperialismo tupiniquim com relação aos países irmãos periféricos e, de quebra, descaracteriza-se a função e o papel da universidade, conforme a concepção "bancomundialista" a que se refere Roberto Leher.

Por que a universidade deve fazer as vezes das empresas, desenvolvendo patentes e teconologia para o mercado? É este o grande questionamento feito por Leher, apontando para uma reflexão que deve ser feita por todos nós, os que estamos comprometidos com um projeto de nação e de continente para além de as amarras da dependência capitalista. Daí vir muito a calhar a denúncia de Leher: o pacote só atende aos "setores universitários engajados no capitalismo acadêmico". É um bolo bonito e bem disfarçado com uma cobertura aparentemente saborosa, que traz uma cereja de enfeite (o decreto n. 7.234, sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil, além de o decreto n. 7232, que se dirige à normatização da lotação de cargos técnico-administrativos). É difícil compreender como intelectuais hoje ligados ao governo federal e que sempre digladiaram contra a "universidade neoliberal" mantenham-se em silêncio, um verdadeiro silêncio dos intelectuais. Quiçá, mudaram de idéia e de prática. Ainda bem que existem outros tantos que não se calam, mesmo em tempos de silêncio institucionalizado como são os tempos eleitorais.

Fonte: Assessoria Jurídica Popular

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Tramitação da 'reforma universitária': por que o sigilo?

Por Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue

O que se convencionou chamar de “reforma universitária” é um conjunto de 14 Projetos de Lei (PLs), em tramitação no Congresso Nacional, que poderá ter importantes conseqüências para a educação brasileira. Depois de vários anos de resguardo, a “reforma” foi ressuscitada em março do ano passado por meio da reativação de uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Sob a presidência de Lelo Coimbra (PMDB), teve nomeado como Relator o deputado, por São Paulo, Jorginho Maluly (DEM), pouco conhecido nos meios educacionais. Após várias “Audiências Públicas”, pouco divulgadas, para as quais foram majoritariamente convidados representantes do setor mercantil da educação superior, a apresentação do relatório, que havia sido prometida para finais de 2009, foi suspensa. É possível que essa suspensão tenha sido provocada por manifestações de parcela da comunidade acadêmica (“Uma ‘reforma universitária’ sem doutor e sem pesquisa?”, SBPC, Jornal da Ciência, 14 de agosto de 2009) e dos sindicatos da área (“Reforma universitária: quais os interesses envolvidos” – Andes-SN)[1]

Com grande surpresa, já que nos meios usuais de comunicação da Câmara nada constava, verificou-se, no começo de junho, que, depois de mais de seis meses de interstício, havia sido chamada reunião da Comissão Especial, já para leitura e deliberação sobre um suposto Relatório Final, de que ninguém havia tido notícia. Mais surpreendente foi o cancelamento dessa reunião, transferida para o dia seguinte, 9 de junho, quando ocorreu novo cancelamento, com a curiosa justificativa de que o Relatório não pode ser completado, por dificuldades com “ajustes orçamentários”. Contudo, informações de assessores parlamentares alertam para a possibilidade de que, no meio da Copa, seja, convocada de véspera, como se tornou usual, nova reunião da Comissão Especial, com os mesmos objetivos, o que permitiria a votação em plenário (ou por acordo de líderes) ainda neste semestre. Urge, pois, relembrar (veja, por exemplo, “Reforma universitária: é isso mesmo?”, Jornal USP, ano XXII, n. 783 – novembro de 2006[2]

Em comparações internacionais, a educação superior brasileira já se destaca por algumas características negativas, em especial, sua alta privatização e a pequena quantidade de estudantes atendidos com a devida qualidade do ensino. A oferta de educação superior por empreendimentos mercantis traz consigo uma série de conseqüências negativas para o país, que lhes são intrínsecas: a procura por lucro faz com que apenas sejam oferecidos cursos em áreas de conhecimento e regiões geográficas onde se encontra a clientela e não naquelas onde seriam mais necessários para a promoção do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social do país. Ao procurarem cortar seus “custos”, tais empresas ainda desqualificam o trabalho de seus docentes e não oferecem a seus estudantes formação integral, atendo-se a alguma espécie de treinamento, altamente inadequada a longo prazo, em um mundo em acelerada modificação, e de eficiência questionável mesmo no curto prazo.

Nesse contexto desfavorável, os projetos em tramitação e as 368 emendas com que o PL do governo foi agraciado caminham, como característica geral, no sentido de piorar a legislação atual do ponto de vista das necessidades e possibilidades nacionais. Mesmo o PL 7.200, depositado pelo poder executivo na Câmara dos Deputados, sob uma análise mais detalhada, apresenta uma quantidade considerável de problemas, como já denunciado à época (veja, por exemplo, o documento, de 2006, do Andes–SN “Análise do Projeto de Lei 7.200/2006: A Educação Superior em Perigo!”[3]

Uma análise exaustiva do conteúdo dos PLs e das emendas seria impossível em um texto curto. Contudo, alguns exemplos podem servir para ilustrar a gravidade da situação. Segundo a LDB em vigor, para que uma instituição possa ser considerada universidade, é necessário que ela tenha “um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado”, uma redação que afronta a inteligência de qualquer leitor: ela exigiria o mesmo se a redação fosse interrompida na palavra mestrado. Em sua versão original, PL 7.200, do governo federal, exige um mínimo de 25% de doutores no quadro docente de universidades e 11% em centros universitários, percentuais abaixo do que seria possível, considerando a realidade. Mas essa modesta exigência poderá ser derrubada pela força da bancada privatista no Congresso, como demonstram os dois PLs citados, que continuam a não exigir doutores em universidades, e as emendas que a eliminam do PL governamental. Portanto, uma das conseqüências da “reforma” é manter e agravar a situação atual.

Em 1996, ano de aprovação da LDB, o Brasil já tinha um número de doutores suficiente para que as exigências fossem mais rigorosas. Atualmente, quando o país tem mais do que 100 mil doutores, crescendo a uma taxa aproximada de 10 mil por ano, é inconcebível uma instituição de ensino superior sem doutor em seu corpo docente, ainda mais se for uma universidade. Além disso, ao persistir a situação – internacionalmente inaceitável – de não haver exigência por doutores nos corpos docentes de instituições de educação superior, a manutenção da taxa de crescimento de pessoas tituladas e o próprio sistema nacional de pós‑graduação, e a pesquisa daí resultante, quase certamente estarão comprometidos.

O PL 4.221, o mais abrangente e perigoso, apresentado em 2004 em segundo lugar, de forma ardilosa, pretende abarcar toda educação superior com sua uma centena de artigos, parte deles enfocando até mesmo a composição e as atribuições do Conselho Nacional de Educação. Entre outras arbitrariedades, arvora-se a apresentar uma redefinição do que deva ser entendido pela exigência constitucional da realização de pesquisa. Segundo o texto desse PL, a exigência mínima para que uma instituição possa ser considerada uma universidade seria de que apenas 3% do total dos docentes(!), não necessariamente doutores(!), se dedicassem a esta tarefa, reunidos em pelo menos dois grupos de pesquisa(!), reconhecidos como tal pela própria instituição(!). Ademais, a simples existência de pós-graduação poderia se constituir em alternativa à exigência anterior, mesmo que restrita a apenas um único “curso ou programa”, em nível de mestrado.

A articulação dos interesses mercantis é cabalmente evidenciada pelas emendas ao PL 7.200: para eliminar alguma possível restrição ao setor privado, uma emenda propõe a eliminação de um determinado artigo; caso esta não seja aprovada, há sempre outra que altera sua redação; caso ainda haja insucesso, outra emenda procura eliminar ou alterar alguns parágrafos do artigo.

Em relação às condições do trabalho docente, há propostas de reduzir, ainda mais, o percentual de docentes contratados por 40 horas e em dedicação integral a uma instituição, aumentando-se a participação dos, assim chamados, professores horistas ou de contratados em tempo parcial.

Enfim, se uma pequena parte dessas propostas, que tratam a educação superior como apenas mais um ramo do setor comercial, tiverem êxito no substitutivo a ser apresentado pelo relator, Jorginho Maluly, nossos doutores continuarão desempregados ou sub-empregados, nossos cursos continuarão fracos e as necessidades nacionais continuarão sem solução.

Há, ainda, outras pérolas no PL 4.221/04: o Art. 32 fixa durações mínima e máxima dos cursos de graduação: assim, a licenciatura teria mínimo de 2.400 horas e máximo de 3.200 horas; engenharias teriam mínimo de 2.800 horas e máximo de 3.600 horas; ciências biológicas e da saúde teriam entre 2.800 e 3.800 horas, exceto medicina, cujo mínimo seria de 6.000 horas e o máximo de 8.000 horas. O que se pretende com esses máximos? Limitar a qualidade de cursos oferecidos por instituições públicas? Forçar o setor público a ser mais parecido com o setor privado? Ainda mais: o Art. 48 determina, curiosamente, que cada dia letivo deva ter a duração máxima de 6 horas. O que se quer com isso? Facilitar ainda mais os cursos de fim de semana, que, se vierem a ter mais do que 6 horas de atividade em um único dia, esse será contado como dois?

Por fim, o PL 4.221 pretende alterar o conteúdo do Art. 209 da Constituição Federal, o qual exige do setor privado o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Essa alteração aparece no Art. 67 daquele PL: “Para os efeitos do Art. 209 da Constituição, esta lei engloba as normas gerais da educação nacional para a autorização e avaliação de qualidade de cursos e instituições mantidas pela iniciativa privada”, seguido de um parágrafo único que veda ao Poder Executivo o estabelecimento de requisitos ou regulamentos que ampliem ou reduzam as normas estabelecidas nesta lei.

É possível supor que, tendo em vista a necessidade de composições para enfrentar a eleição, o governo esteja “fechando os olhos” e abrindo caminho para a aprovação de um projeto substitutivo ao gosto do setor mercantil, formado pelo 7.200, com suas emendas, e pelo 4.221.

Frente a essa situação e considerando o perfil privatista do Congresso brasileiro, é necessária uma forte ação para reduzir os estragos que a “reforma universitária” poderá causar ao país. A atuação decisiva dos colegiados das instituições de ensino superior, sérias e comprometidas com o desenvolvimento nacional, das associações profissionais e acadêmicas, das entidades representativas de docentes e estudantes, entre diversos outros setores da sociedade civil, se faz necessária e poderá contribuir para evitar o perigoso retrocesso que se desenha para a nação.

Notas:
[1] Esses artigos podem ser encontrados nos endereços eletrônicos http://www: jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=65207 e http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=6107.
[2]http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2006/jusp783/pag02.htm
[3]O texto pode ser encontrado no endereço www.andes.org.br/imprensa/arquivo/default_reforma_universitaria.asp

Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada do Instituto de Física da USP e vice-presidente da regional São Paulo do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN)

Fonte: Caros Amigos

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Enquanto antes de morrer, José Saramago constata que:

Pensar, pensar

Por Fundação José Saramago

Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma.

Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008 (postado em seu blog: http://caderno.josesaramago.org/2010/06/18/pensar-pensar/)

A cada dia os cursos superiores de Filosofia pelo Brasil e fora dele, passam por dificuldades tremendas, tanto dentro das universidades, mendigando espaço político, reconhecimento e recursos, quanto na sociedade, tentando mostrar a importância do filosofar nos dias atuais. Mas a cada dia são impostas exigências mercadológicas impedindo muitas vezes a abertura de novas turmas nos cursos, obrigando-os a fechar.

Em países onde os estudantes já se deram conta deste contexto e passaram a olhar além de seus umbigos, há forte resistência. Contudo, em terras tupiniquins, onde nem tudo é compreensível e os interesses políticos e econômicos parecem ser muito mais complexos do que são em todo o resto do mundo, não existe sequer um movimento estudantil, quando mais uma executiva de filosofia organizada… E isso não é por falta de militantes que tentem. Mas por falta de interessse dos e das estudantes. Que estão empregnados de suas ocupações pessoais (capitalistas) e esquecem-se de fazer uma análise um pouco mais atenta e verem que estas ocupações individuais, são em vão, porque não conseguirão usufruir de suas conquistas, como poderia ser…

Os filósofos e professores de filosofia não podem calar-se diante do óbvio: Este sistema de sociedade está falido porque concentra em poucos as riquezas, ao custo da exploração da grande maioria da população mundial. Assim, é claro que os donos do dinheiro e seus capachos, não podem deixar a filosofia manifestar-se livremente, muito menos apoiá-la. Porque sabem que esta é um instrumento fundamental na construção de novos modos de vida, além do capitalismo.

Fonte: Blogue Hamatos

segunda-feira, 14 de junho de 2010

V COBREFIL

V Congresso da Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia

"O estudante na Construção de Uma Nova Realidade"
17-A 25 de julho de 2010

Salvador / BA

A Coordenação Nacional da Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia obedecendo à dos Deliberação e dos CAs/DAs de Filosofia reunidos na Plenária Nacional de Entidades de Base (PNEB), ocorrida no dia 25 de julho de 2009 durante o IV COBREFIL em Guarulhos - SP, CONVIDA os estudantes de cursos de graduação em filosofia de todo o Brasil a participarem do V Congresso da Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia - COBREFIL, que ocorrerá de 17 a 25 de julho de 2010 na Cidade de Salvador/BA.

O V COBREFIL deverá deliberar sobre os seguintes pontos:

a) Atualização da Plataforma Política da ABEF;

b) Planejamento e organização da ABEF;

c) Eleição da Coordenação Nacional e do Conselho Fiscal para o período 2010/2011.


Programação

17/07/10:
Recepção e acomodação.

18/07/10:
MANHÃ: Café da manhã - Apresentação da ABEF e do Congresso;
TARDE: Almoço - Tarefa - Descanso - Mística de Abertura e apresentação das delegações;
NOITE: Jantar - Conferência de Abertura: Ideologia e luta de classes.

19/07/10:
MANHÃ: Café - Os Desafios do momento histórico para a classe trabalhadora;
TARDE: Almoço - Tarefa - Descanso - A Escola e a Universidade na sociedade de classes
NOITE: Jantar - Continuação e Confraternização

20/07/10:
MANHÃ: Café -Valores de Uma Prática Militante;
TARDE: Almoço - Tarefa - Descanso - Plenária Desafios Políticos e organizativos do Movimento estudantil
NOITE: Jantar - Filme - Confraternização

21/07/10:
MANHÃ: Café - Concepção e método do Trabalho de base
dos TARDE: Almoço - Tarefa - Descanso - Plenária Desafios Políticos e organizativos da ABEF.
NOITE: Jantar - Cultural

22/07/10:
MANHÃ: Café - Concepção e método de Formação Política e ideológica
TARDE: Almoço- Tarefa - Descanso - PNF: avaliação, atualização e planejamento
NOITE: Jantar - Debate Sobre a Política Plataforma

23/07/10:
MANHÃ: Café - Assembleia Geral
TARDE: Almoço - Tarefa - Descanso - Assembleia Geral - Avaliação do V Congresso
NOITE: Jantar - Mística de Encerramento

24/07/10:
MANHÃ: Café - PNEB: Planejamento geral
TARDE: Almoço - Tarefa - Descanso - PNEB: Planejamento geral
NOITE: Jantar - PNEB: Planejamento geral

25/07/10:
Retorno

Fonte: Site do V COBREFIL

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A filosofia no Brasil

por João Carlos Salles (UFBA)

A Bento,
nosso melhor exemplo

Em 1968, Bento Prado Júnior foi chamado a escrever sobre a filosofia no Brasil. Logo ao início de seu texto, confessa-se diante de “tarefa particularmente embaraçosa”. Como falar afinal da filosofia no Brasil, se incerto que tal houvesse – ao menos, em sentido próprio e autêntico? A filosofia, por estas terras, não teria ainda registro de nascimento, pois, ao contrário da nossa literatura nacional, não conformaria um sistema, quando enfim “ler um autor significa interpretar a distância que o separa dos demais”. E, assim como a história não poderia prescindir do alfabeto ou do Estado, a filosofia não poderia começar sem tradição escolar ou sem alfabetizados, no sentido ao menos de que, nessa profissão incerta, lemos e escrevemos filosoficamente quando não mais o fazemos sozinhos.

Não há, decerto, que se negar o eventual brilho de alguns indivíduos, a presença outrora de grandes nomes; entretanto, fora de um contexto propício, seu trabalho antes parecia nascer “de um secreto investimento em formas improváveis”. Bento matizava a dificuldade logo em seu título (“O Problema da Filosofia no Brasil”), pois difícil uma descrição mais extensa, quando quase sempre o que se fazia era mera divulgação ou, em certos casos, puro desatino. Assim, deslocava o tema do fato quase inexistente para a dificuldade mesma do projeto, inventando como desafio o que ainda não seria realidade – no caso, uma filosofia nacional. Tal projeto se apresentaria na consciência comum de uma carência, desdobrando-se na “experiência de uma temporalidade invertida”, na qual, como em interminável introdução metodológica, a filosofia da filosofia precederia a própria filosofia.

Pensar sobre a possibilidade de uma filosofia, confrontando nossa pouca tradição com projetos que se nos afigurariam externos, bem poderia levar-nos à nostalgia de uma cultura que, nunca tendo existido entre nós, se veria contudo ameaçada pela barbárie ou, ainda pior, pela civilização. Devemos convir, talvez por princípio e como estratégia de reflexão mais produtiva, que sempre deva ser incerto se há ou não uma filosofia. E mesmo deixando de lado a cautela, é sabido que, apesar de alguma mudança, ainda nos lemos e nos citamos pouco. Além disso, nosso repertório de problemas, quando singular, ainda é parco, de modo que a distância para com nossos pares costuma ir sem interpretação. Por isso, quem sabe, por um traço talvez cultural cujo exame é aqui dispensável, o gênero resenha é pouco fecundo entre nós, exatamente por trazer extremos opostos como suas expressões mais regulares: o encômio e o libelo destruidor, como se possível escrever sobre colegas apenas para bajulá-los ou para destruí-los.

Em todo caso, quase quarenta anos depois e em meio a continuidades, podemos constatar mudanças significativas. Por exemplo, talvez já possamos contornar a temática de uma filosofia nacional, antes ineludível. Ou, melhor ainda, ao enfrentá-la, talvez já o façamos sinalizando filiações e diferenças, ou seja, participando de um debate no qual, ao selecionarmos um interlocutor, logo nos situamos em alguma tradição. O tema de uma filosofia brasileira não perdeu seu sentido; continua um desafio teórico e mesmo é objeto de investigações inovadoras, que bem ultrapassam o registro de efemérides ou o escrutínio de influências exógenas e de singularidades em pensadores obscuros; entretanto, não mais precisa colocar-se como condição prévia para uma filosofia no Brasil, podendo tornar-se, no futuro, o resultado de reflexão sobre um solo não mais inane.

Bento também pode ser chamado a testemunhar a respeito desse deslocamento. Em texto recente, de outubro de 2006, destinado à plenária de abertura do XII Encontro Nacional de Filosofia da ANPOF (que presidiu por duas gestões), constata um deslocamento que “metamorfoseou radicalmente o estilo da atividade intelectual”. Uma metamorfose que, tendo alcance global, reveste-se ainda de cor local, devendo matizar, ora positiva ora negativamente, a simples constatação da nova realidade filosófica nacional, seu evidente crescimento e sua mais bem distribuída melhoria de qualidade. A pergunta imediata, aí contida ou contrita, parece simples e natural: A que preço? E Bento não agarra da metamorfose apenas seus traços luminosos, compreendendo bem que, na Academia, nada se faz sem implicações políticas, sendo a luta teórica muita vez a continuação da guerra por meios mais sutis. Assim, cabe estar alerta aos novos tempos, cuja força é, todavia, benfazeja e evidente. A reserva de Bento tem então sabor de proposta política, a um só tempo, para academia e para a dieta filosófica, recomendando que, em ambos os casos, evitemos a unilateralidade dos exemplos. De certa forma, cumpre transformar em um valor o efetivo pluralismo da comunidade filosófica nacional ou, na formulação de Bento, que ultrapassa em muito um mero recado a colegas reais ou imaginários, trata-se de praticar uma “recusa radical de todo e qualquer monismo estilístico”.

Temos agora o luxo de afirmar o efetivo trabalho filosófico no Brasil. E isso pode ser descrito de modo objetivo. No Brasil, assim em diversas áreas da filosofia como em diversas regiões do país, estão dadas as condições para uma formação autônoma e completa – o que se traduz especialmente na produção regular de Dissertações e Teses de qualidade. E, por já existir efetivamente, cumpre até evitar predicar o que deva ser, mesmo cabendo cobrar, em qualquer de suas formas, que o seja com qualidade. Considerando então sua existência efetiva e não a invocação de uma expressão que presuntivamente lhe seja conatural, podemos afirmar que uma vagueza e uma multiplicidade importantes fazem parte de nossa virtude: a filosofia no Brasil não tem um estilo próprio, uma univocidade, que, em nosso caso, tendo em conta nossa dimensão e nossa história, seria nefanda e restritiva, e antes funcionaria como um óbice à procura de uma excelência acadêmica.

Agravada por uma arbitrariedade do regime militar, que retirou a filosofia do currículo do ensino médio, a metamorfose da filosofia brasileira dependeu em muito dessa condição pela qual, entre nós, no que podia ter de qualidade, a filosofia se tornou uma coisa universitária. A metamorfose se deu sobretudo nesse campo, associando-se também (em especial, nos últimos 25 anos) a uma profissionalização generalizada da academia brasileira, que passou a cobrar titulação o­nde antes imperava o notório saber e redefiniu a malha dos profissionais que, nos departamentos universitários, se dedicava à filosofia. Assim, um movimento geral de valorização da pesquisa e de certos tipos de produção (movimento oriundo de outras áreas do saber e pautado por critérios de avaliação muitas vezes estranhos à reflexão filosófica) passou pouco a pouco a imperar, inclusive na filosofia e mesmo nos departamentos mais afastados dos principais centros. Tornando-se coisa universitária, cobrando títulos universitários e produção em veículos mais credenciados, vimos transformarem-se departamentos, às vezes com alguma violência, não sendo certo que as novas qualificações sempre significassem melhor qualidade. Em todo caso, como um movimento geral, podemos notar que, por todo país, departamentos foram renovados preferindo profissionais formados segundo os novos padrões e as cobranças competitivas de uma pós-graduação em franca expansão. Se houve erros (e não foram poucos), esse movimento contribuiu ao menos para superar a subordinação de nossos departamentos à influência histórica, por exemplo, das academias de letras.

A filosofia entre nós é, pois, coisa universitária. Empregados, em sua maioria, do Estado, nosso trabalho se profissionalizou em virtude de uma generalizada mudança em nossa vida universitária. Por conta disso, como coisa universitária, a formação em filosofia se obrigou a compartilhar com as outras áreas certas características, inclusive para sobreviver em ambiente que, outrora, podia conformar uma prebenda, mas que se tornou inóspito a quem não se mostrasse apto a competir por recursos e não adotasse algo do perfil de cientista. Regidos por novas regras para o trabalho acadêmico, vivemos o deslocamento do ócio produtivo para o negócio, por vezes, improdutivo.

Ao lado do ensaio, do tratado, do comentário, passaram a fazer parte do nosso repertório projetos de pesquisa, relatórios, prestações de conta, pareceres, de sorte que, sem nos julgarmos necessariamente cientistas, fomos obrigados, com algumas dificuldades, a estratégias semelhantes para nossa afirmação profissional. Uma prática tornada igual às outras pelas regras da universidade – de modo mais cruel, pelas regras de financiamento da universidade em que se instala e, logo, mais imediatamente, pelas regras das agências de fomento. Assim, a filosofia, tendo-lhe resistido por um tempo, inclusive por uma inutilidade que, em certo sentido, lhe é própria e honrosa, passou a vivenciar um duplo registro (e uma quase cisão) em nossa vida universitária: ser financiada apenas pelo Ministério da Educação ou também obter recursos do Ministério da Ciência e da Tecnologia, à medida que a formação acadêmica (financiada pelo Ministério da Educação com bolsas de estudo e salários) parece tão-só preparatória para a carreira acadêmica, quando enfim começa e nunca termina a luta pelo financiamento de infra-estrutura de pesquisa e por bolsas de produtividade.

Acompanhou e favoreceu especialmente essa metamorfose uma cumplicidade nem sempre feliz com o sistema de avaliação da CAPES, que, todavia, tem méritos inegáveis no estabelecimento de padrões mais rigorosos para o trabalho acadêmico nas mais diversas áreas. No caso da filosofia, o sistema de pós-graduação acompanhado e avaliado pela CAPES expandiu-se vertiginosamente nos últimos 25 anos. Com efeito, quando foi criada a ANPOF, cujos membros são os programas credenciados, tínhamos cerca de 12 programas, proporcionalmente bastante concentrados na região sudeste. Hoje, são 33 programas por todo país, oferecendo 32 cursos de mestrado e 13 de doutorado. Essa expansão acompanhada, embora talvez nem sempre acertada, possibilitou uma autonomia nacional da formação de pesquisadores e, certamente, constituiu referências nacionais comuns para a pesquisa em filosofia.

Com isso, temos hoje, entre outros elementos, uma literatura nacional que, bem ou mal, vai fixando referências – algumas, incontornáveis. É assim que, entre nós, tem se gestado uma tradição de comentários e contribuições relativamente singular, de sorte que, por exemplo, bem podemos reconhecer uma matizada recepção nacional da obra dos empiristas, uma nietzscheana específica, uma quase epopéia marxista, uma extensa e diversa configuração fenomenológica, uma certa tradição analítica, um conjunto expressivo de estudos sobre o ceticismo, uma forte tradição de estudos sobre pensadores do XVII, entre tantos outros. E mesmo áreas anteriormente desassistidas contam hoje com referências importantes, como é o caso dos estudos de antiga e de medieval. A julgar, porém, pelo volume de trabalhos apresentados nos Encontros da ANPOF, cumpre registrar, como um foco privilegiado da formação de pesquisadores no Brasil, o expressivo número de trabalhos sobre Kant e o idealismo alemão.

Podemos, pois, com algum otimismo e muitas expectativas, afirmar um salto de qualidade, como se esta dormitasse por um tempo em acúmulos quantitativos. Essa rede de trabalhos filosóficos associados à expansão da pesquisa de pós-graduação no Brasil, de o­nde partem decerto nossas referências mais sólidas e influentes, encontra sua expressão mais clara nos Encontros da ANPOF. Há outras associações, com papel valioso, a exemplo da SEAF. Mas, não nos cabendo fazer história de nossos cismas e diásporas, preferimos antes um breve retrato, um instantâneo, um rápido esboço de nosso panorama atual e de nossos desafios. Por isso, a narrativa centrada na pós-graduação e, desse modo, a prioridade concedida ao trabalho da ANPOF.

Assim, no mais recente encontro, tivemos (após seleção feita por grupos de trabalho e programas) a aprovação de 1.118 trabalhos, tendo desses confirmado a presença no encontro cerca de mil participantes. Esses trabalhos puderam ser agrupados tematicamente, sendo parte significativa coordenada segundo a apresentação por Grupos de Trabalho da ANPOF – atualmente, quarenta e três. Sem dúvida, a ANPOF se consolidou como a mais importante sociedade científica da área de filosofia, tanto por seus Encontros, quanto por sua relação privilegiada de diálogo com as agências e com a comunidade, sendo hoje usuários de sua lista mais de seis mil pessoas, que, de algum modo, estão vinculadas ao trabalho da filosofia no Brasil.

A força da ANPOF, sua grande representatividade, não pode camuflar o fato de ela estar ligada sobretudo ao fortalecimento da pós-graduação, cujo melhor sinal é, sem dúvida, a produção regular de trabalhos acadêmicos com excelência – principalmente, Dissertações e Teses. Por outro lado, a ANPOF voltou as costas por muito tempo à temática do ensino, que muitas vezes foi encampada por profissionais um tanto afastados do específico do trabalho filosófico. O resultado preocupante fora o de se passar por reflexão filosófica o que, muita vez, é banalização do saber. Por isso mesmo, quando primeiro se apresentou a temática da volta da filosofia ao ensino médio, profissionais sérios, com fundadas razões, expressaram o temor de um dano resultante de conhecimentos ditos filosóficos serem veiculados para adolescentes por professores incompetentes, mal formados e, logo, aptos apenas a mal formar as novas gerações.

A preocupação era decerto legítima. Entretanto, já não dava conta do fato de que a própria rede de pós-graduação, mesmo quando afastada das preocupações com o ensino, não deixou de renovar os quadros de praticamente todos os centros do país, ao tempo que ainda nos ofereceu critérios públicos para separar o joio do trigo. Esperamos que hoje seja bastante mais fácil, mesmo sem sucesso garantido, denunciar os mercadores do templo ou quem apenas finge falar javanês.

Em meio a novas condições para o trabalho em filosofia, podemos listar alguns desafios. Em primeiro lugar, tendo alcançado grande êxito em firmar uma comunidade nacional de pesquisadores, o sistema de pós-graduação, premido pelas mesmas forças que o impulsionaram até aqui, precisará encontrar respostas próprias para um novo desafio, o da internacionalização, de sorte que ela expresse excelência e não um exercício subserviente que venha a desnaturar nosso trabalho.

Nesse sentido, o documento de área da filosofia, que se encontra na página da CAPES e serve à avaliação dos programas, precisa muito ser aprimorado. Além disso, ao aprimorar-se, deve manter as regras de avaliação como dependentes de um sistema contínuo, de modo que a excelência valha para todos os cursos, não servindo, como expressão de um retrocesso, para separar os cursos e as regiões. Caso o faça, estará retirando seus próprios méritos e voltando a cindir uma comunidade que, afinal, ainda mal se constituiu. Nesse caso, então, cumpre avaliar nossa produção filosófica por normas semelhantes e sobretudo qualitativas, de sorte que, ao fim e ao cabo, a excelência nacional coincida com um padrão internacional.

Um segundo desafio se nos apresenta com a implantação da filosofia no ensino médio. Resultado de uma ampla luta da comunidade filosófica, a implantação atende a reclamos legítimos, mas não é uma panacéia. Ela não vem resolver as graves carências de formação dos professores do ensino médio, mesmo que a renovação nacional das Universidades potencialmente nos faculte ações institucionais que favoreçam uma formação urgente e continuada de quantos cuidarão da difícil tarefa de aproximar adolescentes das dificuldades e das delícias próprias do saber filosófico.

Nesse sentido, vale lembrar, não sendo uma panacéia, o ensino de filosofia tampouco é um placebo, de sorte que sua introdução, em qualquer caso, seria inofensiva. Como bem o sabemos, em sendo mal feita, ela pode causar grande dano, justificando os mais terríveis temores de quantos se lhe opunham.

Temos então uma difícil tarefa, a mobilizar Secretarias de Educação, Departamentos, Cursos de Graduação e de Pós-graduação. Mais ainda, temos o desafio de continuar a aproximar, segundo medidas elevadas, segundo as medidas do melhor trabalho acadêmico, os profissionais que se dedicam à pesquisa e os que se dedicam ao ensino.

Ao lado da internacionalização, que tudo tem para mobilizar muita energia dos melhores pesquisadores, e da implantação no ensino médio, que tudo tem para consumir enorme esforço de nossas instituições de ensino, podemos antever ainda um novo desafio. Em processo semelhante ao que, na Europa, constitui o processo de Bolonha, tem crescido no Brasil a proposta de uma reorganização radical da arquitetura dos currículos dos cursos de graduação, com a introdução de bacharelados interdisciplinares, a serem realizados em três anos, ao término dos quais o graduado não teria ainda uma profissão específica.

Nesse caso, os defensores da proposta de Universidade Nova não se cansam de antecipar um papel de destaque para a filosofia. Entretanto, em um quadro de formação geral, corremos o risco de ver retroagir o movimento que, no que teve de melhor, caracterizou a transformação da qualidade dos cursos de filosofia por todo país, tanto na graduação quanto na pós-graduação, a saber, uma atenção mais profissional aos textos, um tratamento dos argumentos infenso à generalidade ou à literatice.

Os defensores da Universidade Nova insistem então ser necessário afastar a estreiteza da disciplinaridade, inclusive para combater a escolha precoce de uma profissão.

Com efeito, a proposta tem assim muitos méritos e pode oxigenar muitos cursos. Mais ainda, tem encontrado cada vez maior apoio governamental. É de temer entretanto que, se ela pode prejudicar fundamente algum curso, esse seja o de filosofia, isto é, prejudicará exatamente aquele único curso em que o aprofundamento disciplinar em nada coincide com uma forma qualquer de estreiteza, sendo nossa formação detalhada, minudente, desde o início, talvez o único modo de estar em nosso caminho próprio.

Marcada por uma cisão anterior, que a muito custo procuramos superar, podemos ver cindir-se a comunidade pela diferença entre os desafios colocados à pós-graduação e aqueles outros colocados a todo país, que ora procura reconciliar-se amplamente com o ensino da filosofia. A marcha em direção à internacionalização parece tão irreversível quanto aqueloutra rumo à educação básica. Não podendo talvez ser conduzidas pelas mesmas pessoas, resta procurar que os caminhos conservem algo em comum.

Não bastasse esse risco de cisão histórica, quando a pesquisa só entrevê como um seu correlato no ensino médio alguma prestação de serviços de inserção social, não deixa de ser difícil propor que, entretanto, sejam capazes de entremesclar-se teoricamente. Por outro lado, com propostas como a da Universidade Nova, temos o desafio de evitar que se separem o ensino de graduação e o ensino de pós-graduação, pois corremos o risco de voltar a ter em nossos Departamentos diferenças sistemáticas entre professores, ou mesmo destinações diferentes a Departamentos tornados diversos em suas vocações, doravante cada vez mais estranhas entre si.

Os desafios são muitos. A esperança de vencê-los coincide com a possibilidade de manutenção de uma boa política por quantos estejam (mesmo em papéis distintos e acaso conflitantes) à frente de nossas instituições. Trata-se de uma bandeira a ser garantida, particularmente, pela ANPOF, que soube formular seu compromisso com a constituição de uma comunidade nacional, sem concessões com respeito à qualidade almejada para o trabalho acadêmico e também sem restrições doutrinárias. Concordando com nosso amigo Giacoia, “devemos ser inquivocamente meritocráticos, rigorosos quanto a nossos padrões consensuais de qualidade da produção filosófica, intransigentes em relação a nossas especificidades, mas também pluralistas, sobretudo anti-sectários, tolerantes com o trabalho sério, abertos ao dissenso qualificado”.

Nada mais distante da filosofia no Brasil que a interrogação sobre a natureza de uma possível filosofia brasileira, pois já precisamos lidar com sua realidade, ainda enquanto seus resultados oscilam entre ótimos e incipientes. Não se avança adjetivamente no que exige uma dimensão substantiva. Por resolvida ou insolúvel, a questão mostra-se inócua ou impertinente. Entretanto, tendo o que relatar e não precisando fazer uma história de efemérides e de grandes nomes ou tampouco uma história de mentalidades, aproximamo-nos do tema não mais sob o signo da oposição entre nossa instalação nacional e a universalidade da filosofia, que nos obrigaria a depor, como que de fora, sobre o sentido de nosso trabalho.

É verdade que, anteriormente, talvez não houvesse outro caminho. Ou seja, não havendo suficiente densidade no país, vivendo apenas de surpreendentes raios em céu azul, divididos entre grandes nomes e um contexto risível, restava apenas esboçar algum sentido, elevado ou precário, para a aventura. Hoje, parece possível esboçar uma política, boa ou má, para o efetivo, e não apenas projetos para o virtual. Como arremedo de conclusão de um parto laborioso, podemos retomar o enunciado de uma tese básica muito simples: Passados quase quarenta anos do texto de Bento, indicamos apenas haver muito a dizer.

Concluindo então nosso instantâneo, vale a pena explicitar ainda mais um sentido para nossa homenagem a Bento, ao refletirmos sobre essa filosofia que se faz sobretudo em língua portuguesa. Afinal, Bento é exemplo em muitos sentidos e também especialmente em sua escrita, que sabia valorizar a expressão e a língua.

Dessa forma, à luz de seu labor, fazer filosofia implica um esforço argumentativo, mas também um esforço em favor da palavra. Ademais, em seu trabalho, no qual soube exercitar uma pluralidade de diálogos, mostrou-se em seu elemento enfrentando temas os mais afastados, exemplificando um nosso modo próprio de fazer filosofia, pelo qual podemos enriquecer-nos inclusive pelo comentário. Foi assim que Bento ajudou a inventar uma pauta bastante nossa de estudos de Bergson, de Wittgenstein, de Rousseau, bem como de tantos outros eventualmente tocados por sua palavra. Em todos esses casos, ensinou-nos a superar a divulgação pelo diálogo. Bento é, então, refinamento, exercício filosófico elevado. E agora, quando selecionamos sua palavra, apenas fazemos parte desse jogo pelo qual, em atos e omissões, temos uma tradição filosófica no Brasil.

João Carlos Salles é professor do Departamento de Filosofia da UFBA

Fonte: IDEA

terça-feira, 18 de maio de 2010

Como deve ser um Plano Nacional de Educação?

Por Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue
A história como guia

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 20 de dezembro de 1996, exigia que o poder executivo encaminhasse ao Congresso Nacional, em um prazo de um ano, um projeto de Plano Nacional de Educação (PNE). Esse prazo se esgotou sem que o governo federal tivesse cumprido com sua obrigação legal.

Tendo em vista a exigência da LDB e a história de lutas da sociedade brasileira em defesa da educação pública, muitas entidades da sociedade civil, organizadas por meio do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e de dois Congressos Nacionais de Educação, elaboraram um PNE e prepararam-se para participar ativamente das discussões que ocorreriam em âmbito nacional. Esse PNE da sociedade brasileira foi apresentado à Câmara dos Deputados no início de 1998. O projeto do executivo foi apresentado um dia depois.[1] Assim, o Congresso Nacional passou a ter em mãos dois projetos de PNE.

Os dois projetos foram debatidos pelo Congresso que acabou por aprovar uma versão que continha vários itens extraídos da proposta apresentada pelas entidades da sociedade brasileira, em especial a previsão de recursos financeiros, coisa que inexistia na versão do poder executivo. Embora os cálculos apresentados pelo PNE da sociedade brasileira estimassem em 10% do PIB os recursos necessários para viabilizar uma real recuperação da educação pública nacional e, em conseqüência, a possibilidade de que seriam cumpridas as metas estabelecidas, o Congresso nacional aprovou um valor menor, 7% do PIB[2]. Apesar desse rebaixamento, a definição dos recursos necessários, tendo como base de cálculo o PIB nacional, ou seja, uma medida da efetiva capacidade de investimento de cada nação, foi considerada uma vitória, ainda que parcial. Além disso, o valor aprovado continua sendo cerca de duas vezes superior aos valores historicamente investidos em educação pública no país.

Os 10% do PIB destinados à educação eram uma espécie de sonho para os educadores e todos aqueles interessados na promoção do desenvolvimento social, cultural e econômico do país: em uma década teríamos mudado completamente o caótico, injusto e ineficiente sistema educacional brasileiro. O valor aprovado pelo Congresso Nacional, se não era um sonho, pelo menos nos livraria da crônica falta de recursos e deixava ainda alguma margem para perspectivas otimistas.

Entretanto e infelizmente, mesmo esse percentual reduzido foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique. Assim, o PNE começou mal: havia metas a serem cumpridas, mas não havia a previsão de recursos para tal. De um plano, transformou-se em uma ilusão: como satisfazer as metas sem os necessários recursos?

Assim que o PNE foi promulgado, iniciou-se uma campanha pela derrubada do veto aos recursos financeiros. Essa campanha fortaleceu‑se quando o programa apresentado pelo presidente Lula, em sua primeira campanha presidencial vitoriosa, previa o estudo da derrubada daquele veto. Embora a redação fosse essa - um estudo da derrubada do veto -, muitos otimistas a liam como um compromisso explícito com a derrubada do veto. Mas isso era ilusão: não houve iniciativas sérias nem do poder executivo, nem do parlamento, para derrubar o veto, que foi mantido.

Assim, inexistindo qualquer outra previsão de recursos para viabilizar o desenvolvimento educacional, qualquer ilusão desaparecera: se o sonho dos 10% do PIB destinados à educação desapareceu quando o Congresso Nacional reduziu o valor para 7%, o veto do governo FHC nos trouxe de volta o pesadelo de sempre.

Metas não atingidas

O PNE aprovado e ainda em vigor contém várias metas que deveriam ser atingidas em 10 anos, a se completarem no início do próximo ano. Entre elas estava o crescimento significativo da educação infantil (crianças de até 6 anos de idade), redução das taxas de repetência no ensino básico (fundamental e médio), a efetiva universalização do ensino fundamental (ou seja, a totalidade das crianças concluindo esse nível de ensino), a garantia de que a totalidade dos jovens pelo menos iniciasse o ensino médio e, quanto ao ensino superior, de que pelo menos 40% dos estudantes estivessem matriculados em instituições públicas. Havia metas também relativas ao combate do analfabetismo (que deveria ser erradicado até 2011), à formação de professores, à infra-estrutura material das escolas, entre muitas outras. É claro que para essas metas serem atingidas seriam necessários recursos; com o veto e sem nenhuma outra previsão de recursos, as metas, evidentemente, não seriam atingidas.

De fato, não foram. Ou, até pior: muitos indicadores do desempenho educacional na década de vigência do PNE simplesmente pioraram[3]. As taxas de conclusão dos ensinos fundamental e médio, que vinham crescendo, ainda que aos trancos e barrancos, a uma razão de cerca de 5% ao ano desde o início do século passado, estagnaram por volta do ano 2000, iniciando aí uma trajetória descendente.[4] Assim, não só as metas do PNE não foram cumpridas como nos distanciamos ainda mais de muitas delas. A década de 2000 marcou um dos dois piores períodos de retração ou estagnação da educação brasileira dos últimos 100 anos.[5]

Por que isso?

Por que isso aconteceu? Primeira razão: pela simples falta de recursos. Não havendo recursos é absolutamente impossível atacar o problema educacional. Pode-se aumentar o número de matrículas sem que sejam fornecidas às escolas e aos educadores as necessárias condições de atendimento (laboratórios, bibliotecas, aulas de reforço, cargas de trabalho toleráveis, salários adequados etc), que parece ter sido o que ocorreu ao longo da década de 1990, período no qual houve aumento dos indicadores quantitativos da educação. Mas esse aumento das matrículas, sem o necessário aparelhamento do sistema para atender adequadamente a quantidades maiores de estudantes, leva a uma piora dos indicadores qualitativos, o que também ocorreu ao longo da década de 1990, ilustrando o óbvio: apenas registrar matrículas não educa.

E mesmo essas práticas de apenas registrar matrículas têm um limite: o ponto em que não ir à escola é melhor do que ir. Quando esse limite é atingido, os indicadores quantitativos estagnam-se. E parece que isso realmente ocorreu por volta do ano 2000, quando as taxas de conclusão dos ensinos fundamental e médio começaram a se reduzir.

Segunda razão: não houve, realmente, um compromisso nacional com a educação escolar. Nem o executivo federal, nem o Congresso tentaram derrubar o veto aos recursos. Os outros entes governamentais (estados e municípios) não levaram a sério o PNE e nada fizeram para que fosse cumprido.

Se havia metas, o Congresso e o governo federal deveriam regulamentá‑las por legislações ou normas complementares. Não o fizeram. Se havia metas finais, deveríamos cuidar das metas parciais que, se não cumpridas, comprometeriam o cumprimento das metas finais. Nada se fez. Se havia metas nacionais a serem cumpridas, elas deveriam ser cumpridas em cada estado e município, os principais responsáveis pelo fornecimento da educação básica. Mas não foram. Governadores, prefeitos e secretários de educação simplesmente desconsideraram suas responsabilidades para com as metas e ignoraram a existência do PNE. Nenhum estado, nenhum município cumpriu nenhuma das metas que estavam sob sua responsabilidade.

Sem definir recursos e as obrigações financeiras e educacionais dos vários entes federativos, sem definir como as pessoas farão para garantir os direitos à educação que o PNE criou e a quem recorrer caso eles não sejam satisfeitos, sem regulamentar como as várias metas serão cumpridas e como, e quem, fiscalizará esse cumprimento e, ainda, prever punições pelo não cumprimento, o PNE é alguma coisa entre a ilusão e a enganação.

O que fazer?

A vigência do atual PNE se encerra em poucos meses e o Congresso Nacional deverá elaborar um novo. A pergunta adequada neste momento é: como deve ser e o que deve conter o próximo PNE para que não seja, como o atual, uma mera fantasia?

As respostas para essas questões podem ser encontradas nas origens da falência do atual PNE. Em primeiro lugar, deverá haver previsões de recursos suficientes para cumprir as metas estabelecidas. É ilusão (ou enganação) fazer uma lista de tarefas a serem cumpridas sem indicar claramente de onde virão os meios necessários para cumpri-las. Sabe-se, com ótima precisão, qual o investimento econômico necessário para se manter uma criança ou jovem em uma escola com nível de qualidade aceitável. Sabe-se quais os recursos necessários para uma escola ter condições de atender adequadamente seus estudantes e quanto é necessário para remunerar de forma adequada os profissionais da educação. Assim, o PNE deve tanto definir o percentual do PIB a ser destinado à educação pública, algo em torno de 10%, como qual será a participação de cada ente federativo (união, estados e municípios) na composição dos recursos.

Um novo PNE deve, também, estabelecer quais são as responsabilidades da União, dos estados e dos municípios, pois é inútil definir metas sem estabelecer quem deve cumpri‑las. Além disso, devemos atribuir responsabilidades e definir as conseqüências e punições para aqueles órgãos ou entes que não cumprirem sua parte. Talvez, neste aspecto, devamos também responsabilizar, além dos poderes executivos e legislativos, os órgãos do judiciário e de defesa da ordem jurídica, que passaram os últimos 10 anos observando uma lei nacional não ser cumprida sem nada fazerem.Deve-se, ainda, definir quais são as tarefas e obrigações dos órgãos de assessoria e apoio do ministério e das secretarias estaduais e municipais de educação, aí incluídos os Conselhos, nacional e estaduais, de Educação.

O Congresso, as Câmaras municipais e as Assembléias estaduais também deverão estabelecer regras complementares que viabilizem o cumprimento das metas a serem atingidas.

Conclusão

Não há um único país que tenha superado o atraso e as barreiras do subdesenvolvimento sem ter escolarizado sua população. Caso aconteça com um novo PNE o mesmo que ocorreu com o atual, o desenvolvimento (ou não) da educação brasileira continuará ruim: a educação será apenas um reflexo e subproduto do restante da realidade nacional e não um instrumento de promoção do desenvolvimento e um fator a se refletir positivamente na nossa dura realidade.

Tentar vincular o desempenho educacional futuro do país a eventuais recursos do pré-sal, usar frases de efeito, atribuir vagamente responsabilidades à "sociedade civil e empresários"[6], ou preencher papel com belas palavras será totalmente inútil e servirá para iludir por mais uma década a população brasileira. Serve, também, é claro, para manter nossa posição de atraso cultural, econômico e social.

Notas:

[1] Ambos os projetos estão disponíveis no endereço http://www.adusp.org.br/arquivo/PNE/. O plano aprovado pelo Congresso está em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm.
[2] Nesses percentuais do PIB estão incluídos investimentos municipais, estaduais e federais.

[3] O artigo "Análise dos indicadores de conclusão escolar nas últimas 5 décadas", publicado na Revista Adusp, n. 46, janeiro de 2010, pág. 47, apresenta a evolução recente de alguns indicadores educacionais brasileiros. A revista pode ser acessada pelo sítio da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, http://www.adusp.org.br/revista/46/index.htm.

[4] Por volta do ano 2000, início da vigência do PNE, cerca de 75% das crianças completavam o ensino fundamental e 55% dos jovens completavam o ensino médio. Nos últimos anos esses percentuais reduzidos para a cerca de 70% e 50%, respectivamente.

[5] O outro período de longa estagnação ou retração dos indicadores educacionais ocorreu após a falência do projeto da ditadura militar, iniciando-se em meados da década de 1970 e durando até o final da década de 1980.

[6] As expressões "sociedade civil e os empresários", "sociedade civil organizada e os empresários" ou "empresários e a sociedade civil" associadas à palavra "educação" aparecem cerca de 100 mil vezes na Internet!

Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada do Instituto de Física da USP e vice-presidente da regional São Paulo do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN)

Fonte: Caros Amigos