sexta-feira, 5 de março de 2010

Um bom estudante não milita no Movimento Estudantil.

Uma breve reflexão sobre militância política e vida acadêmica.

Saulo Eduardo Ribeiro*

Há no imaginário de alguns acadêmicos, em especial na Filosofia, a ideia de que um ‘bom estudante’ não se envolve em política e, portanto, não participa do Movimento Estudantil (ME), pois é atividade de estudante relapso. Essa ideia encontra algum respaldo na realidade porque sim, há estudantes/militantes ou, especificamente, “estudantes profissionais” que se dedicam mais à militância do que aos estudos. Apesar disso, cabe algumas considerações, e me esforçarei em fazê-las ao estilo preconizado por alguns dos nossos colegas, arautos da boa filosofia, já que é a eles que destino esta breve e superficial reflexão.

Bem. Como eu ia dizendo, há aqueles estudantes que entram na universidade para dedicar-se quase que exclusivamente a militância, utilizando algumas vezes as entidades estudantis como trampolim político-eleitoral, extrapolando o campo de ação do ME. Em contrapartida, há também aqueles que utilizam as mesmas entidades como trampolim acadêmico, e através de um discurso que menospreza a militância político-social, reduzem o ME a uma militância acadêmica individualista de adesismo acrítico aos interesses e pressões de parte do corpo docente. Claro, há também o militante patoteiro, mas esse é um outro caso.

Depois dessa quase-inflexão, voltemos ao que interessa. A militância acadêmica acusa os estudantes/militantes sociais, aqueles que concebem o ME como um movimento social e não somente acadêmico, de serem relapsos. No entanto, por óbvio, nem todo estudante relapso milita no movimento estudantil, e nem todo estudante que milita no movimento estudantil é relapso. Mesmo assim, nossos amigos, militantes, poderiam levantar objeções acerca do valor de verdade das premissas, mas creio ser mais fácil provar a veracidade das mesmas, do que provar sua falsidade. Bastaria apontar ao menos um caso de estudante não-militante relapso e um caso de estudante militante não-relapso. Ao contrário, para provar que as mesmas (mas em especial a segunda) são falsas, seria necessário provar, caso por caso, que todo estudante relapso milita no ME e que, consequentemente, todo estudante militante é relapso. Supondo que haja acordo de que a primeira seja verdadeira, consiga refutar pelo menos a segunda. Obviamente que, provando a veracidade da premissa a partir de um único exemplo de estudante militante não relapso, não seria uma maneira eficiente de convencer alguém em mudar de ideia a respeito dessa questão.

Mas ainda sobre isso, poder-se-ia objetar que pelo fato de não se poder provar (pelo menos facilmente) a falsidade dessas premissas, não se pode inferir que as mesmas sejam verdadeiras. Tal argumento teria alguma validade caso não se pudesse, igualmente, provar a veracidade das premissas. Entretanto, não é difícil, caso me perguntem, lembrar rapidamente do nome de pelo menos dez pessoas que conheci pessoalmente que militaram no ME e hoje estão fazendo mestrado, doutorado ou são professores/ pesquisadores universitários.

Ainda, poder-se-ia objetar afirmando que há mestrandos, doutorandos ou pesquisadores relapsos e que, portanto, estes poderiam muito bem se encaixar nessa classificação. No entanto, mesmo que tal afirmação seja verdadeira, o que não é o caso, aqueles que se referem a estes estudantes militantes como relapsos, crêem que os mesmos assim como são incapazes de levar bem seus estudos na graduação, também o são em seguir uma carreira acadêmica.

Outra objeção possível, que deriva da anterior, é a de que o fato de alguém conseguir ou não entrar para a pós-graduação ou ser professor/ pesquisador não é razão suficiente ou um bom critério para afirmar que, por isso, um estudante é ou não é relapso, pois muitos estudantes dedicados, por questões pessoais resolvem não seguir uma carreira acadêmica. Concordo com tal objeção, mas a crítica que aqui se inscreve, está voltada ao imaginário de quem acredita que todo estudante que se preze segue na carreira acadêmica, e o que não é trabalho acadêmico é trabalho para “soldado raso”.

Por fim, para levar a cabo essa breve reflexão, na busca por um ponto pacífico para essa questão, recorro a uma máxima aristotélica que já virou uma espécie de clichê filosófico, e que aqui não é tomado em toda a sua globalidade, a saber, "o homem é por natureza um animal político". Nesse sentido, se não é possível falar em uma relação conjugal entre militância político-social e vida acadêmica, poderíamos pensar em uma ‘militância acadêmica’, que se expressa nas disputas por verbas e bolsas para pesquisa, que se realiza nos gabinetes de projeto, nas salas de aula quando o professor procura convencer os seus alunos da imparcialidade e neutralidade da sua atividade acadêmica, e nos corredores das nossas universidades, onde se desenrola todo tipo de bate-papo amigável, em que a impessoalidade de uns favorece a pessoalidade de outros.

* Graduado em Filosofia – Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), militou no movimento secundarista e integrou por dois anos (2006/08) a direção do Diretório Acadêmico da Filosofia, participando também do Diretório Central dos Estudantes pela Gestão Viração 2008/09. Apesar da pretensão em se pós-graduar, ainda pretende exercer funções de “soldado raso” (professor) em alguma escola pública do país.

3 comentários:

  1. Vale lembrar que essa história de que "estudante bom, é estudante na sala de aula" foi uma idéia capitaneada pela Ditadura Militar para, associada a fragmentação da universidade com as reformas MEC/USAID em 1968, desmobilizar o Movimento Estudantil. Infelizmente, a estrutura acadêmica geralmente ainda mantêm-se alinhada com aquela concepção.

    Sobre isso, sugiro que assistam esse vídeo chamado "A Folha que Sobrou do Caderno" produzido por estudantes do Designer.

    http://video.google.com.br/videoplay?docid=3328923649270546691&ei=XPOQS8rdB4SHlgfD3tC9Aw&q=a+ultima+folha+do+caderno&hl=pt-BR#

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  2. Que a militância estudantil ainda é muito utilizada apenas como trampolim político e aparelho partidário é verdade. Aliás, conheço estudantes que não terminam o curso para continuarem no movimento estudantil. Nada contra.
    Mas a questão hoje, penso que seja resignificar (palavra da moda, mas útil aqui) a militância estudantil, para além das querelas partidárias e em prol da sociedade.
    Movimento Estudantil como Movimento Social e portanto, agindo na sociedade. Num país que a educação nunca foi prioridade e a cada dia são tomadas atitudes paliativas de inclusão e manutenção do status quo da educação, um movimento social voltado para uma educação pública (e gratuita), de qualidade, em universidades públicas, é tarefa para muitos. Quem realmente abraça?
    Como são poucas as pessoas que encaram o movimento estudantil como social, continuam fazendo movimentações por bolsas, condições acadêmicas menos ruins, negociação de dívidas, acesso à universidades privadas com bolsas... O que não me parece errado, mas paliativo.
    Uma das soluções são projetos de extensão universitária que façam os estudantes interagirem com as comunidades marginalizadas, auxiliando-os a organizar-se a fim de que tenham acesso à educação. Se não na escola (universidade...) nas comunidades. Aqui projetos como EJA, cursos de formações profissionais que tenham formação político-econômica crítica, e outros não escolares, não inclusivos, mas críticos da sociedade atual, educando para caminhos alternativos, fazem todo o sentido.
    Mas todas as pessoas que militam no movimento estudantil, sabem disso. Contudo, muitas, escolhem ficar em suas salas de centros acadêmicos e dces, defendendo as bandeiras de seus partidos, e quando estes partidos chegam ao poder, a disputa pelas vagas no governo constituem outra militância: a do paternalismo meritocrático. Isso. Aí os antigos militantes estudantis(junto aos outros militantes do partido e alianças) disputam as vagas do governo, muitas vezes, na porrada (quando não acaba em mortes). E quando se vê, findam-se 8 anos e governo e as misérias sociais continuam as mesmas, se não piores.
    A militância estudantil, naquele sentido partidário, foi êxitosa! Cerca de 10 dces no país, dezenas de diretórios e centros acadêmicos serviram como disseminadores (e vomitadores) das ideologias partidárias, muitos à base de promoções de festas, cerveja a vontade!Renderam votos!
    E a educação a cada dia pior! As universidades de todo o país estão sendo reestruturadas para reafirmarem a lógica diabólica do capital. Os salários de professor@s continuam miseráveis. As universidades federais criadas recentemente, tem caráter tecnologista, deixando as humanidades em segundo plano.
    Hoje haverá assembléia com início de greve Estadual em SP. Vamos ver quantos militantes estudantis estarão lá...Abraço.

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  3. Considero que a falta de participação maciça dos estudantes acabe levando aqueles que militam a se isolar da maioria as vezes. Quem milita sabe como é tentar conscientizar os colegas e não conseguir qualquer retorno. Por isso que manter o foco na formação política dos demais é imprescindível para dar continuidade ao ME.

    Mas então aparecem os partidos e sua prática equivocada de cooptar ao invés de debater... nossas organizações nacionais (UNE e ANEL) são um exemplo do aparelhismo do ME hoje e, quem não concorda com essa lógica fica isolado na sua instituição sem articulação para além dos muros da universidade. Nesse ponto que nós, enquanto coletivo regional e ABEF, podemos oferecer um espaço de diálogo e construção de um novo ME.

    Sobre os projetos de extensão que o Hugo citou, vale lembrar que a ABEF mantém há algum tempo o compromisso com os EIV´s (Estágios Interdisciplinares de Vivências) junto aos movimentos sociais.

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